95- ACEITE A VIDA COMO ELA VIER

Pergunta: Estive aqui no ano passado. Aqui estou outra vez diante de você. O que me fez vir realmente eu não sei, mas, de algum modo, não pude esquecê-lo. 

Maharaj: Alguns esquecem, outros não, de acordo com seus destinos, o que pode chamar acaso, se você preferir. 

P: Há uma diferença básica entre o acaso e o destino. 

M: Só em sua mente. Na realidade, você não sabe o que causa o quê. Destino é apenas uma palavra encobridora para velar sua ignorância. Acaso é outra palavra. 

P: Pode haver liberdade sem conhecimento das causas e de seus resultados? 

M: Causas e resultados são infinitos em número e variedade. Tudo afeta tudo. Neste universo, quando uma coisa muda, tudo muda. Daí o grande poder do homem para mudar o mundo mudando a si mesmo. 

P: De acordo com suas próprias palavras, você, pela graça de seu Guru. mudou radicalmente há uns quarenta anos. Mesmo assim o mundo permanece como era antes. 

M: Meu mundo mudou completamente. O seu permaneceu o mesmo, porque você não mudou. 

P: Como é que sua mudança não me afetou? 

M: Porque não havia nenhuma comunhão entre nós. Não se considere como separado de mim e nós deveremos imediatamente compartilhar o estado comum. 

P: Tenho alguma propriedade nos Estados Unidos que pretendo vender, e comprar alguma terra nos Himalaias. Construirei uma casa, projetarei um jardim, arranjarei duas ou três vacas e viverei silenciosamente. As pessoas me dizem que a propriedade e a tranquilidade não são compatíveis. que logo encontrarei problemas com funcionários, vizinhos e ladrões. É inevitável? 

M: O mínimo que você pode esperar é uma interminável sucessão de visitantes que converterão sua morada em uma pousada aberta e gratuita. Melhor aceitar sua vida como ela se amoldar, volte para casa e cuide de sua esposa com amor e atenção. Ninguém mais necessita de você. Seus sonhos de glória lhe trarão mais complicações. 

P: O que busco não é a glória, mas a Realidade. 

M: Para isto, você necessita de uma vida bem ordenada e tranquila, paz mental e uma imensa seriedade. A cada momento, o que quer que chegue para você sem solicitação, vem de Deus e, sem dúvida, ajudá-lo- á se o utilizar ao máximo. Só aquilo pelo qual se esforça, nascido da imaginação e do desejo, é o que lhe causa problemas. 

P: O destino é o mesmo que a graça? 

M: Sem dúvida. Aceite a vida como ela vier e a achará uma benção. 

P: Posso aceitar minha própria vida. Como posso aceitar o tipo de vida a que outras pessoas são compelidas a viver? 

M: Você a está aceitando de qualquer modo. As aflições dos outros não interferem em seus prazeres. Se fosse realmente compassivo, você teria abandonado há muito tempo todo interesse próprio e teria entrado no estado no qual só você poderia realmente ajudar.

P: Se tivesse uma casa grande e bastante terra, poderia criar um Ashram, com quartos individuais, uma sala comum para a meditação, cantina, biblioteca, escritório, etc. 

M: Os Ashrams não são feitos, eles acontecem. Você não pode começá-los nem os impedir, do mesmo modo que não pode começar ou deter um rio. Muitos fatores estão envolvidos na criação de um Ashram bem-sucedido. e sua maturidade interior é apenas um deles. Certamente, se você ignorar seu ser real, qualquer coisa que fizer se convertera em cinzas. Você não pode imitar um Guru e escapar impunemente. Toda hipocrisia terminará em desastre. 

P: Que está errado em comportar-se como um santo mesmo antes de sê-lo? 

M: Ensaiar a santidade é um sadhana. Está perfeitamente bem desde que nenhum mérito seja reivindicado. 

P: Como poderia saber se eu sou capaz de começar um Ashram a menos que eu tente? 

M: Enquanto tomar-se como uma pessoa, um corpo e uma mente, separado da corrente da vida, com uma vontade própria, perseguindo seus próprios fins, você estará vivendo meramente na superfície, e qualquer coisa que fizer terá vida curta e de pouco valor, mera palha para alimentar as chamas da vaidade. Você deve colocar um verdadeiro valor antes que possa esperar algo real. Qual é seu valor? 

P: Por qual medida devo medi-lo? 

M: Olhe para o conteúdo de sua mente. Você é o que pensa. Não está a maior parte do tempo ocupado com sua pequena pessoa e em suas necessidades diárias? O valor da meditação regular é o de afastá-lo da monotonia da rotina diária e recordá-lo de que você não é o que acredita ser. Mas, mesmo recordar não é o bastante - a ação deve seguir a convicção. Não seja como o homem rico que fez um testamento detalhado, mas se nega a morrer. 

P: A lei da vida não é gradativa? 

M: Oh, não! Só a preparação é gradual, a mudança é súbita e completa. A mudança gradual não o leva a um novo nível de ser consciente. Você necessita de coragem para abandonar. 

P: Admito que é a coragem que me falta. 

M: É porque você não está totalmente convencido. A convicção total gera desejo e coragem. E a meditação é a arte de alcançar a fé através do entendimento. Na meditação, você considera o ensinamento recebido, em todos os seus aspectos e repetidamente até que, como resultado da claridade, nasça a confiança e. com a confiança, a ação. A convicção e a ação são inseparáveis. Se a ação não seguir a convicção, examine suas convicções, não se acuse de falta de coragem. A autodepreciação não o levará a nenhum lugar. Sem a claridade e o assentimento emocional, qual a utilidade da vontade? 

P: O que você quer dizer por assentimento emocional? Não estarei agindo contra os meus desejos? 

M: Você não age contra seus desejos. A claridade não é o bastante. A energia vem do amor - você deve amar para agir -, qualquer que seja a forma e objeto de seu amor. Sem claridade e caridade, a coragem é destrutiva. As pessoas em guerra são muitas vezes admiravelmente corajosas, mas o que resulta disto? 

P: Vejo bastante claramente que tudo o que quero é uma casa em um jardim onde viverei em paz. Por que não deveria agir de acordo com meu desejo? 

M: Sem dúvida, aja. Mas não esqueça o inevitável, o inesperado. Sem chuva, seu jardim não florescerá. Você necessita de coragem para a aventura. 

P: Preciso tempo para juntar coragem, não me apresse. Deixe-me amadurecer para a ação. 

M: Toda sua atitude está errada. A ação adiada é ação abandonada. Pode haver outra oportunidade para outras ações, mas o momento presente estará perdido - irrecuperavelmente perdido. Toda preparação é para o futuro - você não pode preparar o presente. 

P: O que está errado em preparar o futuro? 

M: Suas preparações não o ajudam muito a agir no agora. A claridade é agora, a ação é agora. Pensar em estar preparado impede a ação. E a ação é a pedra de toque da realidade. 

P: Mesmo quando agimos sem convicção? 

M: Você não pode viver sem ação, e por trás de cada ação há algum medo ou desejo. No final das contas, tudo o que você faz é baseado em sua convicção de que o mundo é real e independente de você mesmo. Estivesse convencido do contrário, seu comportamento seria muito diferente. 

 P: Não há nada errado em minhas convicções; minhas ações são influenciadas pelas circunstâncias. 

M: Em outras palavras, você está convencido da realidade de suas circunstâncias, do mundo no qual você vive. Siga o mundo até sua origem e achará que, antes que o mundo existisse, você era e, quando o mundo não existir mais. você persistirá. Encontre seu ser eterno e sua ação dará testemunho dele. Você o achou? P: Não, não achei. 

M: Então, o que mais deve fazer? Certamente, esta é a tarefa mais urgente. Você não pode se ver como independente de todas as coisas a menos que abandone tudo e permaneça sem apoio e indefinido. Uma vez que conheça a si mesmo, será indiferente o que você fará, mas, para tornar real sua independência, deverá colocá-la à prova desistindo de tudo aquilo de que dependia. O homem realizado vive no nível dos absolutos; sua sabedoria, amor e coragem são completos, não há nada relativo a respeito dele. Portanto, ele deve provar a si mesmo mediante testes mais rigorosos, passando por experiências mais exigentes. O verificador, o verificado e o cenário para a verificação estão todos dentro: é um drama interior do qual ninguém pode fazer parte. 

P: Crucificação, morte e ressurreição - estamos em terreno familiar! Tenho lido, ouvido e falado sobre isto incessantemente, mas me sinto incapaz de fazê-lo. 

M: Mantenha-se tranquilo, sossegado, e a sabedoria e o poder chegarão por si mesmos. Não é necessário desejar ardentemente. Espere no silêncio do coração e da mente. É muito fácil estar tranquilo, mas a disposição para isto é rara. As pessoas querem se tornar super homens da noite para o dia. Permaneçam sem ambição, sem o mínimo desejo, expostos, vulneráveis, desprotegidos, inseguros e sós, completamente abertos à vida e dando a ela as boas-vindas como ela acontecer, sem a convicção egoísta de que tudo deve dar-lhes prazer ou benefício, material ou supostamente espiritual. 

P: Eu respondo ao que você disse, mas simplesmente não vejo como isto é feito. 

M: Se souber como fazer, você não o fará. Abandone toda tentativa. Simplesmente seja. Não se esforce, não lute, deixe ir todo apoio, agarre- se ao cego sentido de ser, desprezando tudo. Isto é o bastante.

P: Como este desprezar será feito? Quanto mais desprezo, mais vem à superfície. 

M: Recuse atenção, deixe as coisas virem e irem. Os desejos e os pensamentos são coisas também. Desconsidere-os. Desde os tempos imemoriais, a poeira dos fatos tem coberto o espelho de sua mente, de modo que possa ver apenas recordações. Despreze a poeira antes que tenha tempo de assentar-se: isto irá revelar as velhas camadas, até que a natureza verdadeira de sua mente seja descoberta. É tudo muito simples e comparativamente fácil: seja sério e paciente - isso é tudo. A imparcialidade, o desapego, a liberdade do desejo e do temor, de todo interesse próprio, a mera Consciência - livre da memória e da expectativa - este é o estado mental em que pode acontecer a descoberta. No final das contas, a liberação é apenas a liberdade para descobrir.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Sobre o Livro

BIOGRAFIA  Quando perguntavam sobre a data de seu nascimento, o Mestre replicava brandamente que ele nunca nasceu.  As poucas informações e...