Pergunta: As pessoas vêm a você para aconselhamento. Como você sabe o que responder?
Maharaj: Conforme ouço a pergunta, assim ouço a resposta.
P: E como você sabe que a resposta está correta?
M: Uma vez que conheça a verdadeira fonte das respostas, não necessito duvidar delas. De uma fonte pura, apenas água pura fluirá. Não estou preocupado com os desejos e medos das pessoas. Estou afinado com os fatos, não com as opiniões. O homem toma a si mesmo por seu nome e sua forma, enquanto eu nada tomo por mim mesmo. Se eu pensasse que sou um corpo conhecido pelo nome, não teria sido capaz de responder às suas perguntas. Se eu o tomasse por um mero corpo, não haveria nenhum benefício para você em minhas respostas. Nenhum mestre verdadeiro se permite opiniões. Ele vê as coisas como elas são e as mostra como são. Se você tomar as pessoas pelo que elas pensam ser, você apenas lhes causará danos, exatamente como elas prejudicam a si mesmas tão dolorosamente todo o tempo. Mas se você as vir como elas são na realidade, fará a elas um bem enorme. Se elas lhe perguntarem o que fazer, o que praticar ou adotar, que modo de vida seguir, você responderá: ‘Não façam nada, apenas sejam. Tudo acontece naturalmente no ser’.
P: Parece-me que, em suas conversas, você usa as palavras “natural- mente” e “acidentalmente” de forma indiscriminada. Sinto que há uma profunda diferença no significado das duas palavras. O natural é ordena- do, sujeito à lei; pode-se confiar na natureza; o acidental é caótico, inesperado, imprevisível. Pode-se defender que tudo seja natural, sujeito às leis da natureza; sustentar que tudo é acidental, sem qualquer causa, é seguramente um exagero.
M: Você iria gostar mais se eu usasse a palavra ‘espontâneo’ em vez de ‘acidental’?
P: Você pode usar a palavra ‘espontâneo’ ou ‘natural’ como opostas a ‘acidental’. No acidental há o elemento de desordem, de caos. Um acidente é sempre uma ruptura das regras, uma exceção, uma surpresa.
M: A própria vida não é uma corrente de surpresas?
P: Há harmonia na natureza. O acidental é uma perturbação.
M: Você fala como uma pessoa limitada no tempo e no espaço, reduzida aos conteúdos do corpo e da mente. O que você gosta você chama ‘natural’, e o que lhe desagrada você chama ‘acidental’.
P: Agrada-me o natural e o que está sujeito à lei, o esperado; e temo o que rompe a lei, o desordenado, o inesperado, o absurdo. O acidental é sempre monstruoso. Podem existir os chamados ‘acidentes afortunados', mas eles apenas provam a regra de que, em um universo propenso ao acidente, a vida seria impossível.
M: Sinto que há um mal-entendido. Por ‘acidental’ quero dizer algo a que não se aplica nenhuma lei conhecida. Quando digo que tudo é acidental, sem causa, só quero dizer que as causas e as leis de acordo com as quais funcionam estão além de nosso conhecimento, ou mesmo de nossa imaginação. Se você chama natural ao que você toma por ordenado, harmonioso, previsível, então o que obedece a leis superiores e é movido pelos mais altos poderes pode ser chamado espontâneo. Assim, pois, teremos duas ordens naturais: a pessoal e previsível, e a impessoal, ou suprapessoal, e imprevisível. Chame-as natureza inferior e superior, e descarte a palavra acidental. À medida que você cresce em conhecimento e percepção, a fronteira entre a natureza inferior e a superior desaparece, mas as duas permanecem até que sejam vistas como uma. Pois, de fato, tudo é tão maravilhosamente inexplicável!
P: A ciência explica bastante.
M: A ciência trata de nomes e formas, quantidades e qualidades, padrões e leis; está tudo certo em seu lugar próprio. Mas a vida é para ser vivida; não há tempo para análise. A resposta deve ser instantânea – daí a importância do espontâneo, do atemporal. É no desconhecido que vivemos e nos movemos. O conhecido é o passado.
P: Posso apoiar-me sobre o que sinto que sou. Sou um indivíduo, uma pessoa entre pessoas. Algumas pessoas estão integradas e harmonizadas, e algumas não estão. Outras vivem sem esforço, respondem espontaneamente a cada situação corretamente, fazendo plena justiça à necessidade do momento, enquanto outras tateiam, erram e geralmente fazem de si mesmas uma perturbação. A pessoa harmonizada pode ser chamada natural, governada pela lei, enquanto a desintegrada é caótica e sujeita a acidentes.
M: A própria ideia de caos pressupõe o sentido do ordenado, do orgânico, do inter-relacionado. O caos e cosmos são dois aspectos do mesmo estado?
P: Mas você parece dizer que tudo é caos, acidental, imprevisível.
M: Sim, no sentido de que nem todas as leis do ser são conhecidas e de que nem todos os eventos são previsíveis. Quanto mais for capaz de compreender, mais o universo se torna satisfatório, emocional e mental- mente. A realidade é boa e bela; nós criamos o caos.
P: Se você quer dizer que é o livre-arbítrio do homem que causa os acidentes, eu concordaria. Mas ainda não discutimos o livre-arbítrio.
M: Sua ordem é o que lhe dá prazer e a desordem é o que lhe dá sofrimento.
P: Pode colocar deste modo, mas não me diga que os dois são um. Fale-me em minha própria linguagem - a linguagem de um indivíduo em busca da felicidade. Eu não quero ser enganado por conversas não dualistas.
M: O que o faz acreditar que você é um indivíduo separado?
P: Eu me comporto como um indivíduo, funciono de minha própria maneira. Considerome em primeiro lugar, e aos outros apenas em relação a mim mesmo. Em resumo, estou ocupado comigo mesmo.
M: Bem, continue ocupado com você mesmo. Para que assunto você veio aqui?
P: Para meu velho assunto de pôr-me a salvo e feliz. Confesso que não tenho sido bem-sucedido. Não estou nem seguro nem feliz. Portanto, você me encontra aqui. Este lugar é novo para mim, mas a minha razão para vir aqui é velha - a busca da felicidade segura, da segurança feliz. Até agora não a achei. Você pode ajudar-me?
M: 0 que nunca foi perdido jamais poderá ser encontrado. Sua própria busca por segurança e alegria o mantém longe delas. Detenha a busca, pare de perder. A doença é simples e o remédio, igualmente simples. É sua mente apenas que o faz inseguro e infeliz. A antecipação o faz inseguro, a memória - infeliz. Pare de usar mal sua mente e tudo estará bem com você. Você não necessita colocá-la em ordem - ela o fará por si mesma, logo que você abandonar todo o interesse no passado e no futuro, e viva inteiramente no agora.
P: Mas o agora não tem nenhuma dimensão. Devo tornar-me um ninguém, um nada!
M: Exatamente. Como nada e ninguém, você esta seguro e feliz. Você pode ter a experiência se a pedir. Tente. Mas voltemos ao que é acidental e ao espontâneo, ou natural. Você disse que a natureza é ordenada enquanto o acidente é um sinal de caos. Eu neguei a diferença e disse que nós chamamos acidental um evento quando suas causas não podem ser determinadas. Não há nenhum lugar para o caos na natureza. Apenas na mente do homem há caos. A mente não entende o todo - seu foco é muito estreito. Ela vê apenas fragmentos e falha em perceber o quadro. Da mesma forma que o homem que ouve sons, mas não entende a linguagem, poderá acusar o orador de falar coisas sem sentido e de estar inteiramente errado. O que para um é uma corrente caótica de sons é um belo poema para outro. O Rei Janaka sonhou uma vez que era um mendigo. Ao acordar, ele perguntou a seu Gum - Vasishta: Sou um rei sonhando ser um mendigo, ou um mendigo sonhando ser um rei? O Guru respondeu: Você não é nem um nem outro, você é ambos. Você é, e ainda assim você não é o que você pensa ser. Você é porque você se comporta de acordo; você não é porque não dura. Você pode ser um rei ou um mendigo para sempre? Tudo deve mudar. Você é o que não muda. O que você é? Janaka disse então: Sim, não sou nem rei nem mendigo, sou a testemunha imparcial. O Guru disse: Esta é sua última ilusão, a de que é um gnani, a de que é diferente e superior ao homem comum. Você se identifica de novo com sua mente, neste caso uma mente bem-comportada e de todo modo exemplar. Enquanto você vê a menor diferença, você é um estranho à realidade. Você está no nível da mente. Quando o ‘Eu sou eu mesmo’ parte, o ‘Eu sou tudo’ vem. Quando o ‘Eu sou tudo' parte, ‘eu sou’ vem. Quando mesmo o ‘eu sou' parte, só a realidade é e, nela, todo ‘eu sou’ é preservado e glorificado. A diversidade sem separatividade é o Último estado que a mente poderá tocar. Além deste, toda atividade cessa, porque nele todas as metas são alcançadas e todos os propósitos satisfeitos.
P: Uma vez que o Estado Supremo seja alcançado, poderá ser compartilhado com os demais?
M: O Estado Supremo é universal, aqui e agora; todos já o compartilham. É o estado de ser, conhecer e amar. Quem não deseja ser, ou não conhece sua própria existência? Mas não conseguimos nenhuma vantagem desta alegria de ser consciente, não entramos nela e não a purificamos de tudo o que lhe é estranho. Este trabalho de autopurificação, a limpeza da psique, é essencial. Como uma partícula no olho, ao causar inflamação, pode apagar o mundo, assim também a ideia errônea: ‘Eu sou o corpo-mente’ causa o egoísmo, o qual obscurece o universo. É inútil lutar contra a sensação de ser uma pessoa limitada e separada até que suas raízes sejam reveladas. O egoísmo está enraizado nas ideias errôneas de si mesmo. O esclarecimento da mente é Ioga.
Nenhum comentário:
Postar um comentário