Pergunta: Você experimenta os três estados de vigília, sonho e sono profundo tal como o fazemos nós, ou é de outro modo?
Maharaj: Todos os três estados são sono profundo para mim. Meu estado de vigília está além deles. Quando eu olho para vocês, todos parecem adormecidos, sonhando com as palavras de seus próprios pais. Eu estou desperto, pois não imagino nada. Não é samadhi, que não é nada mais que outro tipo de sonho. É simplesmente um estado não influenciado pela mente, livre do passado e do futuro. No seu caso, ele é distorcido pelo desejo e pelo medo, pelas memórias e esperanças; no meu é como é, normal. Ser uma pessoa é estar adormecido.
P: Entre o corpo e a pura Consciência está o ‘órgão interno’, antahkarana, o ‘corpo sutil’, o ‘corpo mental’, qualquer que seja o nome. Do mesmo modo que um espelho giratório converte a luz do sol em um padrão múltiplo de faixas e cores, assim também o corpo sutil converte a simples luz do Eu radiante em um mundo diversificado. Assim eu compreendi o seu ensinamento. O que não posso compreender é como apareceu este corpo sutil, em primeira instância?
M: Ele é criado com a emergência da ideia ‘eu sou’. Os dois são um.
P: Como apareceu o ‘eu sou'?
M: No seu mundo tudo deve ter um começo e um fim. Se não os tem, você o chama eterno. Sob meu ponto de vista, não existe tal coisa como o princípio e o fim - tudo isto está em relação com o tempo. O ser atemporal está eternamente no agora.
P: O antahkarana, ou o ‘corpo sutil’, é real ou irreal?
M: É passageiro. Real quando está presente, irreal quando termina.
P: Que tipo de realidade? É momentânea?
M: Chame-a empírica, ou atual, ou de fato. É a realidade da experiência imediata, aqui e agora, a qual não pode ser negada. Você pode questionar a descrição e o significado, mas não o próprio evento. O ser e o não ser se alternam, e suas realidades são momentâneas. A Realidade Imutável está além do espaço e do tempo. Compreenda a transitoriedade do ser e do não ser e seja livre de ambos.
P: As coisas podem ser transitórias, ainda assim elas estão muito com a gente, em uma repetição sem fim.
M: Os desejos são fortes. É o desejo que causa a repetição. Não há recorrência onde não há desejo.
P: E o medo?
M: O desejo é do passado, o medo é do futuro. A recordação do sofrimento passado e o medo de sua recorrência criam em nós a ansiedade sobre o futuro.
P: Há também o medo do desconhecido.
M: Quem não sofreu não tem medo.
P: Estamos condenados a temer?
M: Até que possamos olhar o medo e aceitá-lo como a sombra da existência pessoal, nós, como pessoas, estaremos condenados a ter medo. Abandone todas as equações pessoais, e você deve se libertar do medo. Não é difícil. A ausência de desejo chega por si mesma quando o desejo é reconhecido como falso. Você não necessita lutar contra o desejo. No final das contas, é um impulso para a felicidade, o qual resulta natural enquanto houver aflição. Somente veja que não há felicidade no que você deseja.
P: Nós nos acomodamos com o prazer.
M: Cada prazer está envolto em dor. Logo descobrirá que não pode ter um sem o outro.
P: Há o experimentador e sua experiência. O que criou o elo entre os dois?
M: Nada o criou. Ela existe. Os dois são um.
P: Sinto que há uma armadilha em alguma parte, mas não sei onde.
M: A armadilha está em sua mente, a qual insiste em ver dualidade onde não há nenhuma.
P: Enquanto eu o escuto, minha mente está toda no agora, e estou surpreso por me achar sem perguntas.
M: Você pode conhecer a realidade apenas quanto está surpreso.
P: Posso entender que a causa da ansiedade e do temor é a memória. Quais são os meios para acabar com a memória?
M: Não fale de meios, não há meios. O que você vê como falso se dissolve. A própria natureza da ilusão é dissolver-se ao ser investigada. Investigue - isto é tudo. Você não pode destruir o falso, já que o está criando continuamente. Retire-se dele, ignore-o, vá além, e ele deixará de existir.
P: Cristo também falou de ignorar o mal e de ser como as crianças.
M: A realidade é comum a todos. Só o falso é pessoal.
P: Quando observo os sadhakas e examino as teorias mediante as quais eles vivem, percebo que meramente substituíram as ânsias materiais pelas ambições ‘espirituais’. A partir do que você nos diz, parece que as palavras ‘espiritual’ e ‘ambição’ são incompatíveis. Se ‘espiritualidade’ implica liberdade da ambição, o que impulsionará o buscador? As Iogas falam do desejo de liberação como essencial. Não é a mais alta forma de ambição?
M: A ambição é pessoal e a liberação é do pessoal. Na liberação, ambos, o sujeito e o objeto da ambição deixam de ser. Seriedade não é a ânsia pelos frutos de nossos esforços, é a expressão de uma mudança interna de interesse, para longe do falso, do que não é essencial, do pessoal.
P: Outro dia você nos falou que nem mesmo podemos sonhar com a perfeição antes da realização porque o Eu, e não a mente, é a fonte de todas as perfeições. Se ela não é a excelência em virtude, a qual é essencial à liberação, então o que é?
M: A liberação não é o resultado de alguns meios habilidosamente aplicados, nem das circunstâncias. Está além do processo causai. Nada pode forçá-la e nada pode impedi-la.
P: Então por que não somos livres aqui e agora?
M: Mas nós somos livres 'aqui e agora’. É apenas a mente que imagina a escravidão.
P: O que porá fim à imaginação?
M: Por que deveria desejar pôr um fim a ela? Uma vez que conheça sua mente e seus miraculosos poderes, e remova o que a envenena - a ideia de uma pessoa separada e isolada - você a deixará só para que faça o seu trabalho entre as coisas para as quais ela é bem dotada. Manter a mente em seu próprio lugar e em seu próprio trabalho é a liberação da mente.
P: Qual é o trabalho da mente?
M: A mente é a esposa do coração e o mundo é seu lar. o qual deve ser mantido brilhante e feliz.
P: Ainda não entendi por que, se nada se interpõe no caminho da liberação, ela não acontece aqui e agora.
M: Nada se interpõe no caminho de sua liberação e ela pode ocorrer aqui e agora, mas você está mais interessado em outras coisas. E não pode lutar com seus interesses. Você deve segui-los, ver através deles, e observá-los, o que os revela como meros erros de juízo e apreciação.
P: Não me ajudará se vou e permaneço com algum grande homem santo?
M: Os homens grandes e santos sempre estão ao seu alcance, mas você não os reconhece. Como você saberá quem é grande e santo? Pelos rumores? Pode confiar nos outros para estes assuntos, ou inclusive em si mesmo? Para convencê-lo, além da sombra da dúvida, você necessita mais do que uma recomendação, mais do que um arrebatamento momentâneo. Você pode encontrar-se com um grande homem santo ou uma mulher, e nem sequer conhecer por muito tempo sua boa sorte. O filho pequeno de um grande homem durante muitos anos não saberá nada da grandeza de seu pai. Você deve amadurecer para reconhecer a grandeza, e purificar seu coração para reconhecer a santidade. Ou gastará seu tempo e dinheiro em vão perdendo também o que a vida lhe oferece. Há pessoas boas entre seus amigos; pode aprender muito com eles. Correr atrás de santos é somente outra partida a ser jogada. Em vez disto, recorde-se de si mesmo e observe sua vida persistentemente. Seja sério e você não falhará em quebrar os laços da falta de atenção e da imaginação.
P: Você quer que eu lute só?
M: Você nunca está só. Há poderes e presenças que o servem todo o tempo muito fielmente. Pode ser que os perceba ou não, contudo eles são reais e ativos. Quando você compreende que tudo está em sua mente e que você está além dela, que está verdadeiramente só, então você é tudo.
P: O que é onisciência? Deus é onisciente? Você é onisciente? Ouvimos a expressão - testemunha universal; o que significa? A autorrealização implica onisciência? Ou é uma questão de treinamento especializado?
M: Perder inteiramente todo interesse no conhecimento resulta em onisciência. Não é senão o presente de conhecer o que necessita ser conhecido, no momento certo, pela ação livre de erro. Apesar de tudo, o conhecimento é necessário para a ação e, se você atuar corretamente, espontaneamente, sem introduzir o consciente, tanto melhor.
P: Pode-se conhecer a mente de outra pessoa?
M: Conheça sua própria mente primeiro. Ela contém o universo inteiro e ainda sobra lugar!
P: Sua teoria de trabalho parece ser que o estado de vigília não é basicamente distinto do sonhar e do sono sem sonhos. Os três estados são essencialmente um caso de autoidentificação errônea com o corpo. Talvez seja verdade, mas sinto que não é toda verdade.
M: Não tente conhecer a verdade, pois o conhecimento obtido pela a mente não é conhecimento verdadeiro. Mas você pode conhecer o que não é verdadeiro - o que é suficiente para libertá-lo do falso. A ideia de que você sabe o que é verdadeiro é perigosa, pois o mantém prisioneiro da mente. É quando você não sabe, que você é livre para investigar. E não pode haver nenhuma salvação sem investigação, porque a causa principal da escravidão é a não investigação.
P: Você disse que a ilusão do mundo começa com o sentido ‘eu sou’, mas, quando pergunto sobre a origem do ‘eu sou’, você responde que não tem origem porque, ao investigar, ele se dissolve. O que é sólido o bastante para construir o mundo não pode ser mera ilusão. O ‘eu sou’ é o único fator imutável de que sou consciente; como pode ser falso?
M: O que é falso não é o ‘eu sou’, mas o que você acredita ser. Posso ver, sem sombra de dúvida, que você não é o que acredita ser. Lógico ou ilógico, você não pode negar o óbvio. Você não é nada do que você está consciente. Aplique-se diligentemente no desmonte da estrutura que construiu em sua mente. O que a mente fez, a mente deverá desfazer.
P: Você não pode negar o momento presente, recorde ou não. O que é agora é. Pode questionar a aparência, não o fato. O que há na raiz do fato?
M: O ‘eu sou’ está na raiz de toda aparência e é a conexão permanente na sucessão de eventos que denominamos vida, mas eu estou além do ‘eu sou’.
P: Dei-me conta de que as pessoas realizadas usualmente descrevem seu estado com termos emprestados de suas religiões. Acontece que você é hindu, de modo que fala de Brahma, Vishnu e Shiva, e utiliza as descrições e imagens hindus. Tenha a bondade de dizer-nos, qual é a experiência por trás de suas palavras? A que realidade eles se referem?
M: É meu modo de falar, uma linguagem que me ensinaram a usar.
P: Mas o que há por trás da linguagem?
M: Como posso colocar isto em palavras exceto negando-as? Portanto utilizo tais expressões como atemporal, ilimitado, sem causa, etc. Essas também são palavras, mas, como estão vazias de significado, convêm a meu propósito.
P: Se não têm significado, por que usá-las?
M: Porque você quer palavras onde elas não se aplicam.
P: Posso ver seu ponto de vista. Novamente, você roubou minha pergunta!
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