Pergunta: Nasci nos Estados Unidos e passei os últimos catorze meses no Sri Ramanashram; agora estou de regresso aos Estados Unidos, onde minha mãe espera por mim. Maharaj: Quais são seus planos?
P: Posso capacitar-me como enfermeira ou simplesmente casar e ter bebês.
M: O que a faz querer casar-se?
P: Proporcionar um lar espiritual é a mais alta forma de serviço social na qual posso pensar. Mas, certamente, a vida pode tomar outro rumo. Estou preparada para o que vier.
M: Esses catorze meses no Sri Ramanashram, o que lhe deram? Em que modo você é diferente do que era quando chegou lá?
P: Não tenho mais medo. Encontrei alguma paz.
M: Que tipo de paz é esta? A paz de ter o que quer, ou a de não querer o que não tem?
P: Um pouco de ambas, creio. Não foi nada fácil. Apesar de o Ashram ser um lugar muito tranquilo, interiormente eu estava em agonia.
M: Quando você compreende que a distinção entre o interno e o externo só está na mente, você deixa de ter medo.
P: Comigo, esta compreensão vai e vem. Eu ainda não alcancei a imutabilidade da absoluta perfeição.
M: Bom, enquanto você acreditar nisso, deve continuar com seu sadhana para dispersar a falsa ideia de não ser completa. O sadhana removerá as sobreposições. Quando você se perceber como algo menor que um ponto no espaço e no tempo, algo muito pequeno para ser cortado e muito breve para ser morto, então, e só então, todo medo desaparecerá. Quando você for menor que a ponta da agulha, então a agulha não poderá perfurá-la. Você perfurará a agulha!
P: Sim, assim é como me sinto algumas vezes - indomável. Sou mais que valente - sou a própria coragem.
M: O que a fez ir para o Ashram?
P: Tive um caso amoroso infeliz e sofri um inferno. Nem a bebida nem as drogas puderam ajudar-me. Eu estava tateando e me deparei com alguns livros de Ioga. De livro em livro, de pista em pista, cheguei ao Ramanashram.
M: Se a mesma tragédia acontecesse para você novamente, sofreria tanto quanto antes, considerando o estado atual de sua mente?
P: Oh, não! Não me permitiria sofrer de novo. Eu me mataria.
M: De modo que você não tem medo de morrer!
P: Tenho medo de morrer, não da própria morte. Imagino o processo de morrer como algo doloroso e feio.
M: Como você sabe? Não é necessário que seja assim. Pode ser belo e pacífico. Uma vez que você saiba que a morte acontece para o corpo e não para você, você apenas observa seu corpo cair como um vestuário descartado.
P: Estou plenamente consciente de que meu medo da morte é devido à apreensão e não ao conhecimento.
M: Seres humanos morrem a cada segundo, o temor e a agonia de morrer pendem sobre o mundo como uma nuvem. Não é de estranhar que você também tenha medo. Mas, uma vez que saiba que só morre o corpo, não a continuidade da memória e o sentido ‘eu sou’ nela refletido, você não temerá mais.
P: Bem, deixe-nos morrer e veremos.
M: Preste atenção e descobrirá que nascimento e morte são um, que a vida pulsa entre o ser e o não ser, e que um necessita do outro para sua perfeição. Você nasce para morrer e morre para renascer.
P: O desapego não para o processo?
M: Com o desapego, o temor desaparece, não o fato.
P: Serei obrigada a renascer? Quão apavorante!
M: Não há nenhuma compulsão. Você obtém o que quer. Você faz seus próprios planos e os leva a cabo.
P: Condenamos a nós mesmos ao sofrimento?
M: Crescemos através da investigação e, para investigar, necessitamos de experiência. Tendemos a repetir o que não entendemos. Se nós formos sensíveis e inteligentes, não necessitaremos sofrer. A dor é uma chamada de atenção e o castigo à negligência. O único remédio é a ação inteligente e compassiva.
P: Devido ao desenvolvimento em inteligência, não toleraria novamente meu sofrimento. Que há de errado com o suicídio?
M: Não há nada errado, se resolver o problema. Mas o que acontecerá se não o resolver? O sofrimento causado por fatores estranhos, tais como enfermidades muito dolorosas ou incuráveis, ou uma insuportável calamidade, pode dar-lhe alguma justificação, mas, onde faltam a sabedoria e a compaixão, o suicídio não ajudará. Uma morte estúpida significa um renascer na loucura. Além disso, há que considerar a questão do karma. A paciência é geralmente a conduta mais sábia.
P: Deve-se suportar o sofrimento quão agudo e desesperado seja?
M: A resistência é uma coisa e a agonia desesperada é outra. A resistência é frutífera e significativa, enquanto a agonia é inútil.
P: Por que nos preocuparmos com o karma? Ele cuida de si mesmo, de qualquer modo.
M: A maioria de nosso karma é o coletivo. Sofremos pelos pecados dos outros da mesma forma que os outros sofrem pelos nossos. A humanidade é uma. A ignorância deste fato não o muda. Nós mesmos poderíamos ser pessoas muito mais felizes, não fosse por nossa indiferença ao sofrimento dos outros.
P: Creio que me tornei muito mais compreensiva.
M: Bom. Quando você diz isto, o que você lembra? A si mesma, como uma pessoa atenciosa dentro de um corpo feminino?
P: Há um corpo e compaixão, há a memória e uma multidão de coisas e atitudes; coletivamente, eles podem ser chamados uma pessoa.
M: Incluindo a ideia do ‘eu sou’?
P: O ‘eu sou’ é como uma cesta que guarda as muitas coisas que constituem uma pessoa.
M: Ou, melhor, é a fibra do qual a cesta foi tecida. Quando pensa em si mesma como mulher, quer dizer que você é uma mulher ou que seu corpo é descrito como feminino?
P: Depende de meu humor. Algumas vezes sinto que sou um mero centro de Consciência.
M: Ou um oceano de Consciência. Mas há momentos quando você não é nem homem nem mulher, nem o acidental ocasionado pelas circunstâncias e pelas condições? P: Sim, há, mas sinto vergonha de falar sobre isto.
M: Uma indicação é tudo o que se pode esperar. Não necessita dizer mais.
P: Posso fumar em sua presença? Eu sei que não é costume fumar diante de um sábio, e mais ainda uma mulher.
M: Sem dúvida, fume. a ninguém importará. Compreendemos.
P: Sinto a necessidade de acalmar-me.
M: Acontece assim, frequentemente, com americanos e europeus. Depois de um período de sadhana, eles se carregam de energia e buscam freneticamente uma saída. Organizam comunidades, tornam-se professores de Ioga, casam-se, escrevem livros - qualquer coisa exceto permanecer tranquilos e dirigir suas energias para dentro, para encontrar a fonte da energia inesgotável e aprender a arte de mantê-la sob controle.
P: Admito que agora quero voltar e levar uma vida muito ativa porque me sinto cheia de energia.
M: Você pode fazer o que quiser, enquanto não se tomar como o corpo e a mente. Não é tanto questão de abandonar realmente o corpo e tudo o que vai com ele, como um claro entendimento de que você não é o corpo, um sentimento de distanciamento, de não estar envolvido emocionalmente.
P: Sei o que você quer dizer. Passei, há uns quatro anos, por um período de rejeição do físico; não comprava roupas para mim, comia os alimentos mais simples, dormia sobre tábuas nuas. O que importa é a aceitação das privações, não o desconforto real. Agora compreendi que dar as boas-vindas à vida tal com chega e amar tudo o que ela oferece é o melhor dela. Aceitarei com um coração alegre qualquer coisa que venha, e farei o melhor disto. Se não puder fazer nada mais que dar vida e verdadeira cultura a algumas crianças - já será o bastante; embora meu coração vá para cada criança, não posso chegar a todas.
M: Você estará casada e será mãe só quando for consciente do homem e da mulher. Quando não se tomar como o corpo, então a vida familiar dele. por intensa e interessante que seja, será vista só como um jogo na tela da mente, com a luz da Consciência como a única realidade.
P: Por que você insiste na Consciência como o único real? O objeto da Consciência não é tido como real enquanto durar?
M: Mas não dura! A realidade momentânea é secundária; depende do atemporal.
P: Você quer dizer contínua, ou permanente?
M: Na existência, não pode haver continuidade. A continuidade implica identidade no passado, no presente e no futuro. Tal identidade não é possível, já que os próprios meios de identificação flutuam e mudam. A continuidade e a permanência são ilusões criadas pela memória, meras projeções mentais de um padrão onde nenhum padrão pode existir; abandone toda a ideia de um corpo ou de uma mente, de temporário ou permanente, de homem ou mulher, e o que restará? Qual será o estado de sua mente quando toda separação for abandonada? Não estou falando de abandonar as distinções, pois sem elas não há manifestação.
P: Quando não separo, estou felizmente em paz. Mas, de alguma maneira, perco repetidamente o meu rumo e começo a buscar a felicidade nas coisas externas. Não posso compreender por que a minha paz interior não é estável.
M: A paz, depois de tudo, é também uma condição da mente.
P: Além da mente há silêncio. Não há nada a dizer a respeito.
M: Sim, toda conversa sobre o silêncio é mero ruído.
P: Por que buscamos a felicidade mundana, mesmo depois de ter saboreado a própria felicidade natural e espontânea?
M: Quando a mente se ocupa em servir ao corpo, a felicidade é perdida. Para ganhá-la novamente, busca prazer. O impulso para ser feliz é correto, mas os meios para assegurá-lo são indignos de confiança, enganosos e destruidores da verdadeira felicidade.
P: O prazer sempre é errado?
M: O bom estado e o uso correto do corpo e da mente são intensamente agradáveis. É a busca do prazer que está errada. Não tente fazer você mesmo feliz, em vez disto questione sua própria busca pela felicidade. E porque você não é feliz que quer sê-lo; descubra porque é infeliz. Porque você não é feliz, você busca a felicidade no prazer; o prazer traz dor e. portanto, você o chama mundano: então deseja outro prazer, sem dor, que você chama divino. Na realidade, o prazer é uma pausa dada à dor. A felicidade é mundana e não-mundana, dentro e além de tudo que acontece. Não faça distinção, não separe o inseparável e não se desvie da vida. P: Quão bem o entendo agora! Antes de minha permanência no Ramanashram, eu estava tiranizada pela consciência, sempre estabelecendo juízos sobre mim mesma. Agora estou completamente relaxada, aceitando-me totalmente como sou. Quando regressar aos Estados Unidos, tomarei a vida como ela vier, conforme a graça de Bhagavan, e apreciarei o amargo junto com o doce. Esta é uma das coisas que aprendi no Ashram - a confiar em Bhagavan. Antes não era assim. Não podia confiar.
M: Confiar em Bhagavan é confiar em si mesma. Seja consciente de que tudo o que acontece, acontece a você, mediante você, através de você, que você é a criadora, desfrutadora e destruidora de tudo quanto percebe, e não terá medo. Sem medo, não será infeliz nem buscará a felicidade. No espelho de sua mente aparecem e desaparecem todo tipo de imagens. Sabendo que são inteiramente suas próprias criações, observe-as silenciosamente ir e vir; esteja alerta, mas não perturbado. Esta atitude de observação silenciosa é o próprio fundamento da Ioga. Você vê a imagem, mas você não é a imagem.
P: Vejo que o pensamento da morte me dá medo porque não quero renascer. Sei que ninguém obriga, mas a pressão dos desejos insatisfeitos é esmagadora e posso não ser capaz de resistir.
M: A questão da resistência não surge. O que nasce e renasce não é você. Deixe-o acontecer, observe-o acontecer.
P: Por que, então, ficar de alguma maneira preocupada?
M: Mas você já está preocupada! E seguirá preocupada enquanto a imagem se chocar com seu próprio sentido de verdade, amor e beleza. O desejo de harmonia e paz não pode ser suprimido. Mas, uma vez preenchido, cessa a preocupação, e a vida física transcorre sem esforço, abaixo do nível de atenção. Então, mesmo no corpo, você não nasceu. Estar encarnada ou sem corpo é o mesmo para você. Você alcança um ponto em que nada pode acontecer para você. Sem corpo, você não pode ser morta; sem posses, você não pode ser roubada; sem mente, não pode ser enganada. Não há nenhum ponto onde se possa segurar o desejo ou o temor. Desde que nenhuma mudança possa acontecer para você, o que mais importa?
P: De algum modo não gosto da ideia de morrer.
M: É porque você é ainda tão jovem. Quanto mais conhecer a si mesma, menos estará preocupada. Certamente, a agonia de morrer nunca é agradável de ver, mas o moribundo raramente está consciente.
P: Ele regressa à consciência?
M: É muito semelhante ao sono sem sonhos. Durante um tempo a pessoa está fora de foco e logo regressa.
P: A mesma pessoa?
M: A pessoa, sendo uma criatura das circunstâncias, necessariamente muda junto com elas, como a chama que muda com o combustível. Só o processo continua sem parar, criando tempo e espaço.
P: Bom, Deus cuidará de mim. Posso deixar tudo em Suas mãos.
M: Mesmo a fé em Deus é apenas uma etapa no caminho. Finalmente, você abandona tudo porque chegou a algo tão simples que não há palavras para expressá-lo.
P: Eu só estou começando! No começo não tinha fé nem confiança. Tinha medo de deixar as coisas acontecerem. O mundo parecia ser um lugar muito perigoso e hostil. Agora, pelo menos, posso falar de confiar no Guru ou em Deus. Deixe-me crescer. Não me conduza. Deixe-me continuar no meu próprio ritmo. M: Sem dúvida, prossiga. Mas você não o faz. Segue presa às ideias de homem e mulher, jovem e velha, vida e morte. Continue, vá além. Uma coisa reconhecida é uma coisa transcendida. P: Senhor, onde quer que eu vá as pessoas acreditam ser seu dever encontrar faltas em mim e aguilhoar-me. Estou farta de fazer fortuna espiritual. O que há de errado em meu presente para que deva sacrificá-lo ao futuro, por glorioso que seja? Você disse que a realidade está no agora. Eu amo meu agora. Eu o quero. Não quero estar eternamente ansiosa a respeito de meu prestígio e seu futuro. Não quero ir à caça do mais e do melhor. Deixe-me amar o que tenho.
M: Você está totalmente certa; faça-o. Apenas seja honesta - ame o que amar sem esforço e sem tensão.
P: Isto é o que eu chamo entrega ao Guru.
M: Por que exteriorizar? Entregue-se a seu próprio eu, do qual tudo é expressão.
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