Pergunta: Tive sorte de ter companhia santa durante toda minha vida. É o bastante para a autorrealização?
Maharaj: Depende do que você faz disto.
P: Falaram-me que a ação libertadora do satsang é automática. Exatamente como um rio leva alguém ao estuário, assim a sutil e silenciosa influência das pessoas boas me levará à realidade.
M: Isto o levará pelo rio, mas a travessia é coisa sua. A liberdade não pode ser ganha nem mantida sem a vontade de ser livre. Você deve lutar pela liberação; o mínimo que você pode fazer é descobrir e remover os obstáculos diligentemente. Se você quer paz, deve lutar por ela. Não obterá paz simplesmente permanecendo quieto.
P: Uma criança simplesmente cresce. Não faz planos para crescer, nem tem um padrão; nem cresce aos pedaços, uma mão aqui, uma perna ali; cresce de forma integral e inconscientemente.
M: Porque ela é livre de imaginação. Você pode também crescer assim, mas não deve entregar-se à previsão e planos nascidos da memória e da antecipação. Uma das peculiaridades de um gnani é que ele não está interessado no futuro. Seu interesse no futuro é devido ao medo da dor e desejo de prazer; para o gnani tudo é felicidade; ele é feliz com o que quer que aconteça.
P: Seguramente, há muitas coisas que fariam miserável mesmo um gnani?
M: Um gnani pode encontrar dificuldades, mas elas não o fazem sofrer. Educar uma criança do nascimento à maturidade pode parecer uma tarefa difícil, mas, para uma mãe, as lembranças das dificuldades são uma alegria. Não há nada errado com o mundo. O que está errado é o modo em que você o vê. É sua própria imaginação que o engana. Sem imaginação, não há mundo. Sua convicção de que é consciente de um mundo é o mundo. O mundo que você percebe é feito de consciência; o que você chama matéria é a própria consciência. Você é o espaço (Akash) no qual ela se move, o tempo no qual ela perdura, o amor que lhe dá a vida. Extirpe a imaginação e o apego, e o que permanece?
P: O mundo permanecerá. Eu permanecerei.
M: Sim. mas quão diferente é quando você pode vê-lo como ele é, não através de uma tela de desejo e medo. P: Para que servem todas estas distinções - realidade e ilusão, sabedoria e ignorância, santo e pecador? Todos estão na busca da felicidade, todos lutam desesperadamente, cada um é um Iogue e sua vida é uma escola de sabedoria. Cada um aprende a seu modo as lições de que necessita. A sociedade aprova uns e desaprova outros; não há regras que sejam aplicáveis em toda parte e para sempre. M: Em meu mundo, o amor é a única lei. Não peço amor, eu o dou. Tal é minha natureza.
P: Vejo-o vivendo sua vida de acordo com um padrão. Você faz uma aula de meditação pela manhã, faz conferências e mantém discussões diariamente; duas vezes ao dia, há adoração (puja), e cantos (bhajan) religiosos ao anoitecer. Parece que você segue escrupulosamente a rotina.
M: A adoração e os cantos são como eu os encontrei e não vi razão para interferir. A rotina geral está de acordo com os desejos das pessoas com quem vivo ou que vêm escutar. São pessoas trabalhadoras, com muitas obrigações, e os horários lhes são convenientes. Certa rotina repetitiva é inevitável. Mesmo animais e plantas têm seus horários.
P: Sim, vemos uma sequência regular em toda vida. Quem mantém a ordem? Há um governante interno que estabelece as leis e impõe ordem?
M: Tudo se move segundo sua natureza. Qual a necessidade de um policial? Cada ação gera uma reação, a qual equilibra e neutraliza a ação. Tudo acontece, mas há uma contínua anulação e, no final, é como se nada tivesse acontecido.
P: Não me console com harmonias finais. A descrição concorda, mas a perda é minha.
M: Espere e veja. Você pode acabar com um benefício bom o bastante para justificar os custos.
P: Há uma longa vida atrás de mim e, frequentemente, pergunto-me se seus muitos eventos aconteceram por acidente ou segundo um plano. Havia uma pauta estabelecida antes de eu nascer pela qual tive que viver minha vida? Se for sim, quem fez os planos, e quem os impôs? Poderia haver desvios e erros? Alguns dizem que o destino é imutável e que cada segundo da vida é predeterminado; outros dizem que o puro acidente decide tudo.
M: Pode entender isto como quiser. Você pode distinguir um padrão em sua vida ou ver meramente uma cadeia de acidentes. As explicações têm o propósito de agradar a mente. Não são, necessariamente, verdadeiras. A realidade é indefinível e indescritível.
P: Senhor, você está se esquivando de minha pergunta! Quero saber como você vê isto. Onde quer que olhemos, encontramos estruturas de inteligência e beleza incríveis. Como posso acreditar que o universo seja caótico e sem forma? Seu mundo, o mundo no qual você vive, pode ser sem forma, mas ele não necessita ser caótico.
M: O universo objetivo tem estrutura, é ordenado e belo. Ninguém pode negá-lo. Mas a estrutura e um padrão implicam coação e compulsão. Meu mundo é absolutamente livre; tudo nele é determinado por si mesmo. Portanto, continuo dizendo que tudo acontece por si mesmo. Há ordem em meu mundo também, mas não é imposta de fora. Vem espontânea e imediatamente devido à sua eternidade. A perfeição não está no futuro. Ela é agora.
P: Seu mundo afeta o meu?
M: Apenas em um ponto - no ponto do agora. Ele lhe dá um ser momentâneo. um sentido efêmero de realidade. O contato é estabelecido na Consciência plena. Ele requer uma atenção não consciente e sem esforço.
P: A atenção não é uma atitude da mente?
M: Sim. quando a mente está ansiosa pela realidade, dá atenção. Não há nada errado com o mundo, é seu próprio pensamento de estar separado dele que cria desordem. O egoísmo é a fonte de todo o mal.
P: Volto à minha pergunta. Antes de nascer, meu ser interior decidiu os detalhes de minha vida, ou isto foi inteiramente acidental e à mercê da hereditariedade e das circunstâncias?
M: Aqueles que pretendem ter selecionado seu pai e sua mãe, e decidido como deveriam viver sua próxima vida, poderão sabê-lo por si mesmos. Eu sei por mim mesmo que nunca nasci.
P: Vejo-o sentado em minha frente e respondendo minhas perguntas.
M: Você vê apenas o corpo que, certamente, nasceu e morrerá.
P: Estou interessado na biografia desse corpo-mente. Foi estabelecida por você ou por algum outro, ou aconteceu acidentalmente?
M: Há um truque em sua própria pergunta. Não faço distinção entre o corpo e o universo. Um é a causa do outro; na verdade, um é o outro. Mas eu estou fora de tudo isto. Quando estou falando a você que nunca nasci, por que continua perguntando-me sobre quais foram meus preparativos para o próximo nascimento? No momento em que você permite que sua imaginação fie, ela imediatamente fia um universo. Não é de forma alguma como você imagina, e não estou limitado por suas fantasias.
P: Construir e manter um corpo vivo requerem inteligência e energia. De onde elas vêm?
M: Há apenas imaginação. A inteligência e o poder são todos consumidos por sua imaginação. Ela o absorveu tão completamente, que você simplesmente não consegue perceber o quanto você já se afastou da realidade. Não há dúvidas de que a imaginação seja altamente criativa. Universos sobre universos são construídos sobre ela. Todos eles estão no espaço e no tempo, passado e futuro, os quais simplesmente não existem. Não há dúvida que a imaginação é ricamente criativa. Nela são construídos universos dentro de universos. Ainda assim, estão todos no espaço e no tempo, no passado e no futuro, os quais simplesmente não existem.
P: Li recentemente uma notícia sobre uma criança pequena que foi cruelmente tratada em sua infância. Foi gravemente mutilada e desfigurada, e cresceu em um orfanato, completamente afastada de sua vizinhança. A menina era tranquila e obediente, mas completamente indiferente. Uma das freiras que cuidava das crianças estava convencida de que a menina não era uma retardada mental, mas retraída, fechada em si mesma. Foi solicitado a um psicanalista que aceitasse o caso e, durante dois anos, ele a viu uma vez por semana, tentando quebrar a barreira de isolamento. Ela era dócil e bem-comportada, mas não prestava atenção ao doutor. Este lhe trouxe uma casa de brinquedo, com salas e mobiliário móvel, e bonecos representando o pai; a mãe e seus filhos. Isto produziu uma resposta, a menina ficou interessada. Um dia, as velhas feridas se avivaram e surgiram à superfície. Gradualmente, ela se recuperou, várias operações devolveram a seu rosto e corpo o aspecto normal e ela se tomou uma jovem atraente e eficiente. Isto custou ao doutor mais de cinco anos, mas o trabalho foi feito. Ele foi um Guru real! Não colocou condições nem falou sobre prontidão e elegibilidade. Sem fé, sem esperança, ele tentou e tentou novamente, devido ao amor apenas.
M: Sim, essa é a natureza de um Guru. Ele nunca desiste. Mas, para ser bem-sucedido, não deve encontrar resistência demais. A dúvida e a desobediência atrasam necessariamente. Dada a confiança e a flexibilidade. ele pode causar rapidamente uma mudança radical no discípulo. A profunda percepção do Guru e a seriedade do discípulo são necessárias. Qualquer que fosse sua condição, a moça de sua história sofreu por falta de seriedade nas pessoas. Os intelectuais são os mais difíceis. Falam bastante, mas não são sérios. O que você chama realização é uma coisa natural. Quando você estiver pronto, seu Guru estará esperando. O sadhana é sem esforço. Quando a relação com seu mestre é correta, você cresce. Acima de tudo, confie nele. Ele não pode mostrar-lhe o caminho errado.
P: Mesmo quando ele me pedir para fazer uma coisa patentemente errada?
M: Faça-o. A um Sanyasi seu Guru pediu que se casasse. Ele lhe obedeceu e sofreu amargamente. Mas seus quatro filhos foram todos santos e sábios, os maiores no Maharashtra. Esteja feliz com o que quer que venha de seu Guru, e chegará à perfeição sem esforçar-se.
P: Senhor, você tem qualquer necessidade ou desejo? Posso fazer algo por você?
M: O que pode dar-me que eu não tenha? Coisas materiais são necessárias para estar satisfeito. Mas eu estou satisfeito comigo mesmo. De que mais necessito?
P: Certamente, quando está com fome, necessita de comida e, quando enfermo, de remédios.
M: A fome trará a comida e a enfermidade, os remédios. Tudo é uma ocupação da natureza.
P: Se trouxer algo que acredito que você necessita, você o aceitará?
M: O amor que o fez oferecê-lo me faria aceitá-lo.
P: Se alguém se oferecesse para construir para você um bonito Ashram?
M: Deixaria que o fizesse, por todos os meios. Que ele gaste uma fortuna, que empregue centenas e alimente milhares.
P: Não seria um desejo?
M: Não, de forma alguma. Apenas lhe pediria que o fizesse apropriadamente, não de maneira mesquinha, indiferentemente. Ele tornaria realidade seu próprio desejo, não o meu. Deixaria que o fizesse bem, e que fosse famoso entre os homens e os deuses.
P: Mas você o quereria?
M: Não o desejaria.
P: Você o aceitará?
M: Não necessito disto.
P: Você permaneceria nele?
M: Se fosse obrigado.
P: O que poderia obrigá-lo?
M: O amor daqueles que estão em busca da luz.
P: Sim, vejo seu ponto de vista. Agora, como posso entrar em samadhi?
M: Se você estiver no estado correto, qualquer coisa que veja o porá em samadhi. Afinal de contas, samadhi não é raro. Quando a mente está intensamente interessada, toma-se uma com o objeto de interesse - o que vê e o visto tomam-se um na visão, o que ouve e o ouvido tornam- se um na audição, o amante e o amado tomam-se um no amor. Toda experiência pode ser a base para o samadhi.
P: Você sempre está no estado de samadhi?
M: Absolutamente. não. Samadhi é um estado da mente, no final das contas. Eu estou além de toda experiência, mesmo a do samadhi. Sou o grande devorador e destruidor: o que quer que eu toque se dissolve no vazio (akash).
P: Eu necessito dos samadhis para a autorrealização.
M: Você tem toda a autorrealização que necessita, mas você não confia nela. Tenha coragem, confie em si mesmo, vá, fale, atue: dê-se uma oportunidade para provar a si mesmo. Com alguns, a realização acontece imperceptível mente, mas, de alguma maneira, eles precisam ser convencidos. Eles mudaram, mas não se deram conta disso. Esses casos não espetaculares são frequentemente os mais confiáveis.
P: Pode alguém acreditar ser realizado e estar equivocado?
M: Certamente. A própria ideia ‘Eu sou autorrealizado' é um erro. No Estado Natural, não há nenhum ‘Eu sou isto’, ‘Eu sou aquilo'.
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