19- A REALIDADE ESTÁ NA OBJETIVIDADE

Pergunta: Sou pintor e ganho a vida pintando quadros. Isto tem algum valor do ponto de vista espiritual? 

Maharaj: Quando você pinta, em que pensa? 

P: Quando pinto, há apenas o ato de pintar e eu. 

M: O que faz você então? 

P: Eu pinto. 

M: Não, você não pinta. Você vê a pintura acontecendo. Você só observa, todo o restante acontece. 

P: O quadro está pintando a si mesmo? Ou há um ‘eu’ mais profundo ou algum deus que está pintando? 

M: A própria consciência é o maior pintor. O mundo inteiro é um quadro. 

P: Quem pintou o quadro do mundo? 

M: O pintor está no quadro. 

P: O quadro está na mente do pintor e o pintor está no quadro, o qual está na mente do pintor que, por sua vez, está no quadro! Esta infinidade de estados e dimensões não é um absurdo? No momento em que falamos do quadro na mente, que, por sua vez, está no quadro, chegamos a uma sucessão interminável de testemunhas, a testemunha maior testemunhando a menor. É como estar entre dois espelhos e pensando na multidão! 

M: Exato. Só há você e os dois espelhos; entre os dois, suas formas e nomes são inumeráveis. 

P: Como você vê o mundo? 

M: Vejo um pintor pintando um quadro. Ao quadro chamo mundo; ao pintor, Deus. Eu não sou nem um nem o outro. Não crio nem sou criado. Contenho tudo e nada me contém. 

P: Quando vejo uma árvore, um rosto, um pôr do sol, o quadro é perfeito. Quando fecho os olhos, a imagem mental é desmaiada e confusa. Se é a minha mente que projeta a imagem, por que necessito abrir os olhos para ver uma linda flor e, com os olhos fechados, eu a veja vagamente? 

M: Porque seus olhos externos são melhores que os seus olhos internos. Sua mente está totalmente voltada para fora. À medida que você aprende a observar seu mundo mental, você o perceberá mais perfeito e mais colorido que aquele que o corpo pode proporcionar. Certamente, você necessitará algum treinamento. Mas, por que discutir? Você imagina que o quadro deve vir do pintor que realmente a pintou. Você passa o tempo todo buscando as origens e as causas. A causalidade só existe na mente; a memória dá a ilusão de continuidade, e a repetição cria a ideia de causalidade. Quando as coisas ocorrem juntas repetidamente, tendemos a ver uma ligação causai entre elas. Isto cria um hábito mental, mas um hábito não é uma necessidade. 

P: Você acaba de dizer que o mundo é obra de Deus. 

M: Recorde que a linguagem é um instrumento da mente; foi feita pela mente para a mente. Uma vez que admita uma causa, então Deus será a última causa, e o mundo, o efeito. São diferentes, mas não separados. 

P: As pessoas falam da visão de Deus. 

M: Quando você vê o mundo, vê Deus. Não se pode ver Deus separado do mundo. Além do mundo, ver Deus é ser Deus. A luz pela qual você vê o mundo, o qual é Deus, é a minúscula faísca ‘eu sou’, aparentemente tão pequena e, ainda assim, a primeira e a última em todo ato de amor e conhecimento. 

P: Devo ver o mundo para ver Deus? 

M: De que outro modo? Sem mundo não há Deus. P: O que permanecerá? 

M: Você permanecerá como ser puro. 

P: E o que sucederá com o mundo e com Deus? 

M: Puro ser (avyakta). 

P: É o mesmo que a Grande Expansão (paramakash)? 

M: Pode chamá-lo assim. As palavras não importam, posto que não o alcançam. Elas retrocedem em negação total. 

P: Como ver o mundo como Deus? O que significa ver o mundo como Deus? 

M: É como entrar em uma habitação escura. Você não vê nada - pode tocar, mas não ver - nem cores, nem perfis. A janela se abre e a habitação se enche de luz. As cores e as formas se manifestam. A janela é a doadora de luz, mas não sua origem. O sol é a fonte. De modo similar, a matéria é como a habitação escura; a consciência - a janela - inunda a matéria com sensações e percepções, e o supremo é o sol, a fonte da matéria e da luz. A janela pode estar aberta ou fechada, o sol brilha todo o tempo. Ela faz toda a diferença para a habitação, não para o sol. Ainda assim, tudo isto é secundário para a pequena coisa que é o ‘eu sou'. Sem o ‘eu sou’, não há nada. Todo o conhecimento se refere ao ‘eu sou’. As ideias falsas sobre este ‘eu sou’ conduzem à servidão; a compreensão correta conduz à liberdade e à felicidade. 

P: O ‘eu sou’ e o ‘existe’ são o mesmo? 

M: O ‘eu sou’ se refere ao interior; ‘existe’, ao externo. Ambos têm como base o sentimento de ser. P: É o mesmo que a experiência da existência? M: Existir significa ser algo, uma coisa, um sentimento, um pensamento, uma ideia. Toda existência é particular. Apenas o ser é universal, no sentido de que cada ser é compatível com todos os outros seres. A existência confronta; o ser - nunca. A existência significa devir, mudar, nascer e morrer, e nascer outra vez, enquanto no ser há uma paz silenciosa. 

P: Se eu criei o mundo, por que o fiz mau? 

M: Todos vivem em seu próprio mundo. Nem todos os mundos são igualmente bons ou maus. 

P: O que determina a diferença? 

M: A mente que projeta o mundo e lhe dá cor a seu modo. Quando você encontra um homem, é um estranho. Quando se casa com ele, converte-se em seu ser. Quando brigam, ele se converte em inimigo. É sua atitude mental a que determina o que ele é para você. 

P: Posso ver que meu mundo é subjetivo. Isto o faz também ilusório? 

M: É ilusório enquanto subjetivo, e só nessa medida. A realidade está na objetividade. 

P: Que significa objetividade? Você disse que o mundo é subjetivo e agora fala de objetividade. Tudo não é subjetivo? 

M: Tudo é subjetivo, mas o real é objetivo. 

P: Em que sentido? 

M: Ele não depende de recordações e esperanças, desejos e temores, preferências e desagrados. Tudo é visto como é. 

P: É o que você chama o quarto estado (turiya)? 

M: Chame-o como queira. Ele é sólido, estável, sem mudança, sem princípio nem fim, sempre novo, sempre fresco. 

P: Como é alcançado? 

M: A ausência de desejo e de medo o levará ali.

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