16- A AUSÊNCIA DE DESEJOS, A MAIOR BEM-AVENTURANÇA

 Pergunta: Encontrei-me com muitas pessoas realizadas, mas nunca com um homem liberado. Você já conheceu algum homem liberado, ou a liberação significa, entre outras coisas, abandonar também o corpo? 

Maharaj: O que você entende por realização e liberação? 

P: Por realização quero dizer uma experiência maravilhosa de paz, bondade e beleza, quando o mundo faz sentido e há uma unidade que a tudo permeia de substância e essência. Apesar de tal experiência não durar, não pode ser esquecida. Brilha na mente como recordação e desejo. Sei do que estou falando porque tenho tido tais experiências. Por liberação quero dizer estar permanentemente neste estado maravilhoso. O que pergunto é se a liberação é compatível com a sobrevivência do corpo. 

M: O que está errado com o corpo? 

P: O corpo é muito débil e de breve duração. Cria necessidades e desejos. Limita-nos dolorosamente. 

M: E daí? Que as expressões físicas sejam limitadas. Mas a liberação é liberação do ser de suas ideias falsas e autoimpostas; ela não está contida em alguma experiência particular, por mais gloriosa que seja. 

P: Ela dura para sempre? 

M: Toda experiência é limitada no tempo. Tudo o que teve um princípio deverá ter um fim. 

P: De modo que a liberação, em meu sentido da palavra, não existe? 

M: Pelo contrário, sempre se é livre. Você é consciente e livre para ser consciente. Ninguém pode tirar isto de você. Você já se conheceu alguma vez estando inconsciente ou não existindo? 

P: Eu posso não lembrar, mas isto não desmente que não tenha ocasionalmente estado inconsciente. 

M: Por que não se afasta da experiência, indo para o experimentador, e compreendendo todo o alcance da única afirmação verdadeira que pode fazer: ‘eu sou’? 

P: Como isto é feito? 

M: Aqui não há ‘como’. Simplesmente conserve na mente o sentimento ‘eu sou’, fundindo-se nele até que sua mente e seu sentimento se tornem um. Por tentativas repetidas, você topará com o equilíbrio adequado de atenção e afeto, e sua mente estará firmemente estabelecida no pensamento-sentimento ‘eu sou’. Não importa o que você pense, diga ou faça, este sentido de ser imutável e afetuoso permanecerá como o sempre presente fundamento da mente. 

P: E você o chama liberação? 

M: Chamo-o normal. O que há de errado em ser, conhecer e atuar sem esforço e com muita alegria? Por que considerá-lo tão inusual a ponto de esperar a destruição imediata do corpo? O que está errado com o corpo para que tenha que morrer? Corrija sua atitude em relação ao corpo e não o incomode. Não o mime, não o torture. Simplesmente deixe-o ir, a maior parte das vezes abaixo do limiar da atenção consciente. 

P: A recordação de minhas experiências maravilhosas me assombra. Quero-as de volta. 

M: Porque você as quer de volta, não pode tê-las. O estado de ansiedade por qualquer coisa bloqueia toda experiência mais profunda. Nada de valor pode ocorrer a uma mente que sabe exatamente o que quer, porque nada que a mente possa imaginar e querer será de muito valor. 

P: Então, o que vale a pena querer? 

M: Queira o melhor. A mais alta felicidade, a maior liberdade. A ausência dos desejos é a maior bem-aventurança. 

P: Estar livre de desejos não é a liberdade que eu quero. Eu quero a liberdade de satisfazer meus desejos. 

M: Você é livre para satisfazer seus desejos. De fato, você não está fazendo outra coisa. P: Eu tento, mas existem obstáculos que me deixam frustrado. 

M: Supere-os. 

P: Não posso, sou demasiado fraco. 

M: O que o faz fraco? Que é esta fraqueza? Outros satisfazem seus desejos, por que você não? 

P: Talvez me falte energia. 

M: O que aconteceu a sua energia? Para onde ela foi? Não a dispersou em muitos desejos e ocupações contraditórios? Você não tem uma provisão infinita de energia. 

P: Por que não? 

M: Seus objetivos são pequenos e baixos. Não pedem por mais. Apenas a energia de Deus é infinita porque Ele não quer nada para si mesmo. Seja como Ele e todos os seus desejos se realizarão. Quanto maiores forem seus objetivos e mais amplos seus desejos, mais energia terá para sua satisfação. Deseje o bem de todos e o universo trabalhará com você. Mas, se quiser seu próprio prazer, terá que ganhá-lo duramente. Antes de desejar, mereça. 

P: Eu me dedico ao estudo da filosofia, da sociologia e da educação. Creio que necessito mais desenvolvimento mental antes de poder sonhar com a autorrealização. Estou no caminho correto? 

M: Para ganhar a vida é necessário algum conhecimento especializado. O conhecimento geral desenvolve a mente, não há dúvida. Mas, se passar toda sua vida juntando conhecimento, você construirá um muro ao seu redor. Para ir além da mente, não é necessária uma mente bem-dotada. 

P: Então, o que é necessário? 

M: Desconfiar de sua mente, e ir além. 

P: O que acharei além da mente? 

M: A experiência direta de ser, conhecer e amar. 

P: Como se vai além da mente? 

M: Há muitos pontos de partida - todos levam à mesma meta. Pode começar com um trabalho desinteressado, abandonado os frutos da ação; pode então deixar de pensar e terminar abandonando todos os desejos. Aqui, abandonar (tyaga) é o fator operativo. Ou você pode não se preocupar com nada do que queira ou pense, ou faça, permanecendo parado no pensamento e sentimento ‘eu sou’, enfocando o ‘eu sou’ firmemente em sua mente. Todo tipo de 46 experiências pode chegar a você - permaneça inabalável no conhecimento de que tudo o que pode ser percebido é transitório, e que apenas o ‘eu sou’ perdura. 

P: Eu não posso dedicar toda a minha vida a tais práticas. Tenho que atender às minhas obrigações. 

M: Não deixe de atender às suas obrigações! A ação na qual não esteja emocionalmente envolvido e que seja benéfica, e não cause sofrimento, não o limitará. Você pode ocupar-se em várias direções e trabalhar com enorme empenho e, ainda assim, permanecer interiormente livre e quieto, com a mente como um espelho que a tudo reflete sem ser afetada. 

P: Tal estado é realizável? 

M: Não falaria dele se assim não fosse. Por que haveria de ocupar-me com fantasias? 

P: Todos citam as escrituras. 

M: Aqueles que conhecem apenas as escrituras nada conhecem. Conhecer é ser. Eu sei do que falo não por ter lido ou por ter ouvido. 

P: Estou estudando Sânscrito com um professor, mas realmente só estou lendo as escrituras. Eu busco a autorrealização, e vim obter a orientação necessária. Por favor, diga-me o que fazer. 

M: Já que leu as escrituras, por que pergunta a mim? 

P: As escrituras mostram as linhas gerais, mas o indivíduo necessita de instruções pessoais. 

 M: Seu próprio Ser é seu mestre final (sadguru). O mestre externo (gum) é meramente um sinal no caminho. Só seu mestre interno caminhará com você até a meta, pois ele é a meta. 

P: O mestre interior não é encontrado facilmente. M: Já que está em você e com você, a dificuldade não pode ser séria. Olhe para dentro e o encontrará. 

P: Quando olho para dentro, encontro sensações e percepções, pensamentos e sentimentos, desejos e medos, lembranças e expectativas. Estou imerso nesta nuvem e não vejo nada mais. 

M: Este que vê tudo isto, e o nada também, é o mestre interior. Só ele é, todo o restante parece ser. Ele é seu próprio ser (swarupa), sua esperança e segurança de liberdade; encontre-o e agarre-se a ele, e estará a salvo e seguro. 

P: Eu acredito em você, mas, quando se trata da própria constatação deste eu interior, isto me escapa. 

M: A ideia ‘isto me escapa’, de onde surge? 

P: Na mente. 

M: E quem conhece a mente? 

P: A testemunha da mente conhece a mente. 

M: Veio alguém para você e lhe disse: ‘Eu sou a testemunha da mente’? 

P: Claro que não. Ele seria apenas outra ideia na mente. M: Então, quem é a testemunha? 

P: Eu sou.

M: Assim, você conhece a testemunha porque você é a testemunha. Você não necessita ver a testemunha em sua frente. Aqui, de novo, ser é conhecer. 

P: Sim, vejo que eu sou a testemunha, a própria Consciência. Mas, de que modo isto me beneficia? 

M: Que pergunta! Que tipo de benefício você espera? Não é suficiente conhecer o que você é? 

P: Qual a utilidade do autoconhecimento? 

M: Ele o ajuda a entender o que você não é e o mantém livre de ideias, ações e desejos falsos. 

P: Se eu sou apenas a testemunha, que importa o correto e o incorreto? 

M: O que o ajuda a conhecer a si mesmo é correto; o que o impede, incorreto. Conhecer o ser real de si mesmo é bem-aventurança, esquecê-lo é dor. 

P: A consciência-testemunhante é o verdadeiro Ser? 

M: É o reflexo do real na mente (buddhi). O real está além. A testemunha é a porta pela qual você vai além. 

P: Qual é o propósito da meditação? 

M: Ver o falso como falso é meditação. Isto deve continuar todo o tempo. 

P: Disseram-nos para que meditemos regularmente. 

M: O exercício diário deliberado de discriminar entre o verdadeiro e o falso, e a renúncia do falso, é meditação. Há muitos tipos de meditação para começar, mas, finalmente, todos se fundem em um. 

P: Diga-me, por favor, qual é o caminho mais curto para a autorrealização? 

M: Nenhum caminho é curto ou longo, mas algumas pessoas são mais sérias que outras. Posso contar-lhe de mim mesmo. Eu era um homem simples, mas confiei no meu Guru. O que ele me disse para fazer, eu fiz. Disse-me que me concentrasse no ‘eu sou’, e o fiz. Disse-me que estou além de tudo o que se pode perceber ou conceber-se, e eu acreditei nele. Dei-lhe meu coração e minha alma, toda minha atenção e todo o meu tempo disponível (eu tinha que trabalhar para manter minha família). Como resultado da fé e da dedicação sincera, percebi meu ser (swarupa) em três anos. Você pode escolher qualquer caminho que lhe convier; sua seriedade determinará o grau de progresso. 

P: Nenhuma sugestão para mim? 

M: Estabeleça-se firmemente na Consciência do ‘eu sou’. Este é o princípio e também o fim de todo esforço.

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