Pergunta: Quando perguntado sobre os meios para a auto realização, você, invariavelmente, salienta a importância da mente que permanece no sentido ‘eu sou’. Onde está o fator causai? Por que este pensamento particular deve resultar em autorrealização? Como a contemplação do ‘eu sou' me afeta?
Maharaj: O próprio fato da observação altera o observador e o observado. Afinal de contas, o que impede a percepção dentro da própria natureza verdadeira é a fraqueza e a obtusidade da mente, e sua tendência a omitir o sutil e focar apenas o grosseiro. Quando você segue meu conselho e tenta manter sua mente na noção do ‘eu sou’ apenas, você se torna plenamente consciente de sua mente e de seus caprichos. A Consciência, sendo harmonia lúcida (sattva) em ação, dissolve o embotamento e aquieta a agitação da mente e, gentilmente, mas de forma firme, muda sua própria substância. Esta mudança não necessita ser espetacular; pode até ser imperceptível e, ainda assim, ela é uma mudança profunda e fundamental da escuridão para a luz, da inadvertência para a Consciência.
P: Tem que ser a fórmula ‘eu sou’? Qualquer outra sentença não funcionará? Se eu me concentrar sobre ‘há uma mesa’, não servirá ao mesmo propósito?
M: Como um exercício de concentração - sim. Mas não o levará além da ideia de uma mesa. Você não está interessado em mesas, quer conhecer a si mesmo. Por esta razão, mantenha firmemente no foco da consciência a única pista que você tem: sua certeza de ser. Esteja com ela, jogue com ela, pondere sobre ela, mergulhe profundamente dentro dela, até que a casca da ignorância quebre e você venha a emergir no domínio da realidade.
P: Há qualquer ligação causai entre meu enfoque do ‘eu sou’ e a ruptura da casca?
M: A urgência para descobrir-se é um sinal de que você está ficando pronto. O impulso sempre vem de dentro. A menos que tenha chegado a hora, você não terá nem o desejo nem a força para começar de todo o coração a autoinvestigação.
P: A graça do Guru não é responsável pelo desejo e seu cumprimento? O rosto radiante do Gum não é a isca na qual somos pegos e arrancados deste lodo da aflição?
M: O Guru Interior (sadguni) é o que o leva para o Guru Externo, como uma mãe leva seu filho para um professor. Confie nele - e lhe obedeça - pois ele é o mensageiro de seu ser Real.
P: Como encontro um Guru em quem possa confiar?
M: Seu próprio coração dirá a você. Não há dificuldade em encontrar um Guru porque o Guru o está buscando. O Guru sempre está pronto; você não está. Você deve estar pronto para aprender; ou pode encontrar seu Guru e perder sua oportunidade por falta de atenção e teimosia. Veja meu exemplo; não havia nada em mim que prometia muito, mas, quando encontrei meu Gum, escutei, confiei e obedeci.
P: Eu não devo examinar o mestre antes de colocar-me inteiramente em suas mãos?
M: Por todos os meios, examine! Mas o que você pode descobrir? Apenas como ele aparece a você em seu próprio nível.
P: Devo observar se ele é consistente, se há harmonia entre sua vida e seu ensinamento.
M: Você pode encontrar muita desarmonia - e daí? Isto não prova nada. Apenas os motivos importam. Como você conhecerá seus motivos?
P: Deveria ao menos esperar dele que seja um homem com autocontrole. que viva uma vida justa.
M: Como esse, você encontrará muitos - e não serão úteis a você. Um Guru pode mostrar o caminho de volta para casa, para seu ser real. O que tem isto a ver com o caráter, ou com o temperamento da pessoa que ele parece ser? Ele não fala claramente a você que ele não é uma pessoa? O único modo de julgá-lo é pela mudança em você mesmo quando está em sua companhia. Se você se sente mais feliz e em paz, se você compreende a si mesmo com claridade e profundidade maiores que o usual, quer dizer que encontrou o homem certo. Ele toma seu tempo, mas, uma vez que você tenha decidido confiar nele, confie absolutamente e siga cada instrução, plena e fielmente. Não importa muito se você não o aceita como seu Guru e está satisfeito com sua companhia apenas. Só satsang pode também levá-lo à sua meta, desde que seja puro e sereno. Mas, uma vez que você aceite alguém como seu Guru, escute, relembre e obedeça. A tibieza do coração é um sério defeito e a causa de muita aflição autocriada. O engano nunca é do Guru; é sempre a obtusidade e a obstinação em relação à disciplina que são culpadas.
P: O Guru então rejeita ou desqualifica um discípulo?
M: Não seria um Guru se o fizesse! Ele aguarda sua hora e espera até que o discípulo, purificado e sóbrio, volte para ele com um ânimo mais aberto às novas ideias.
P: Qual o motivo? Por que o Guru suporta tantos problemas?
M: A aflição e o fim da aflição. Ele vê as pessoas sofrendo em seus sonhos e quer despertá-las. O amor não tolera a dor e o sofrimento. A paciência do Guru não tem limites e, portanto, não pode ser derrotada. O Guru nunca fracassa.
P: O meu primeiro Gum é também o último, ou tenho que passar de Guru a Guru?
M: O universo inteiro é seu Guru. Você aprende de tudo se estiver alerta e for inteligente. Se sua mente fosse clara e seu coração limpo, aprenderia de cada transeunte. É porque você é indolente ou inquieto que seu ser interior se manifesta como o Guru externo e o faz confiar nele e lhe obedecer.
P: É inevitável um Gum?
M: É como perguntar: ‘É inevitável uma mãe?' Para elevar-se na consciência de uma dimensão à outra, você necessita de ajuda. A ajuda nem sempre pode estar na forma de um ser humano. Pode ser uma presença sutil, ou uma centelha de intuição, mas a ajuda deve chegar. O Eu interior está observando e esperando que o filho regresse a seu pai. No momento adequado, ele arranja tudo, afetuosa e efetivamente. Onde um mensageiro é necessário, ou um guia, ele envia o Guru para fazer o que é preciso.
P: Há uma coisa que não posso compreender. Você fala do ser interior como sábio, bom e bonito, e perfeito em todos os modos possíveis, e da pessoa como um mero reflexo sem uma existência própria. Por outro lado, você aceita tantos problemas para ajudar a pessoa a realizar-se. Se a pessoa fosse tão desprezível, por que se interessaria tanto pelo seu bem-estar? A quem importaria uma sombra?
M: Você introduziu a dualidade onde ela não existe. Há um corpo e há o Ser. Entre eles está a mente, na qual o Ser é refletido como ‘eu sou’. Devido à imperfeição da mente, sua dureza e inquietação, falta de discernimento e percepção, ela se toma como um corpo, não como o Ser. Tudo o que é necessário é purificar a mente para que ela possa compreender sua identidade com o Ser. Quando a mente mergulha no Ser, o corpo não apresenta problemas. Permanece o que é, um instrumento de cognição e ação, a ferramenta e a expressão do fogo criativo interior. O valor supremo do corpo é que ele serve para descobrir o corpo cósmico, o qual é o universo em sua totalidade. Quando você se compreende na manifestação, continua a descobrir que você é mais do que já imaginou.
P: Não há fim para a autodescoberta?
M: Como não há um princípio, não há nenhum fim. Mas o que descobri pela graça do Guru é que eu não sou nada que possa ser apontado; nem sou um ‘isto’ ou um ‘aquilo’. Isto se mantém de forma absoluta.
P: Então, onde entra a descoberta sem fim, o transcender infinitamente a si mesmo para novas dimensões?
M: Tudo isto pertence ao reino da manifestação; está na própria estrutura do universo que o superior só possa ser alcançado pela libertação do inferior.
P: O que é o inferior e o que é superior?
M: Veja-os em termos de Consciência. A consciência mais ampla e mais profunda é superior. Tudo o que vive trabalha para proteger, perpetuar e expandir a consciência. Este é o único significado e proposito do mundo. É a própria essência da Ioga - elevação contínua do nível de consciência, descoberta de novas dimensões, com suas propriedades, qualidades e poderes. Nesse sentido, o universo inteiro toma-se uma escola de Ioga (yogakshetra).
P: O destino de todos os seres humanos é a perfeição?
M: De todos os seres vivos - em última instância. A possibilidade toma-se uma certeza quando a noção de iluminação aparece na mente. Uma vez que um ser vivo tenha ouvido e compreendido que a liberdade está ao seu alcance, ele nunca esquecerá isso, pois essa é a primeira mensagem da vida interior. Ela lançará raízes e crescerá e, no devido tempo, tomará a forma abençoada do Gum. P: Assim, tudo que nos interessa é a redenção da mente?
M: O que mais? A mente se desvia, a mente retoma para casa. Mesmo a palavra ‘desviar-se' não é apropriada. A mente deve conhecer-se em cada sua forma. Nada é um erro a menos que seja repetido.
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