55- ABANDONE TUDO E VOCÊ GANHA, TUDO

 Pergunta: Nesse exato momento, qual é seu estado? 

Maharaj: Um estado de não-experiência. Nele, toda experiência está contida. 

P: Você pode entrar na mente e no coração de outro homem e compartilhar sua experiência? 

M: Não. Tais coisas requerem treinamento especial. Sou como um comerciante de trigo. Sei pouco sobre pães e bolos. Posso mesmo não conhecer o gosto de uma papa de trigo. Mas, sobre o grão de trigo, sei tudo, e bem. Eu conheço a fonte de toda experiência. Mas as inumeráveis formas particulares que a experiência pode tomar eu não conheço. Nem tenho necessidade de conhecer. De momento a momento, de algum modo, conheço o pouco que necessito saber para viver minha vida. 

P: Sua existência particular e minha existência particular - ambas existem na mente de Brahma? 

M: O universal não é consciente do particular. A existência como uma pessoa é um assunto pessoal. Uma pessoa existe no tempo e no espaço, tem nome e forma, início e fim; o universal inclui todas as pessoas, e o absoluto está na raiz de tudo e além de tudo. 

P: Não estou interessado na totalidade. Minha consciência pessoal e sua consciência pessoal - qual é o elo entre as duas? 

M: Qual pode ser o elo entre dois sonhadores? 

P: Podem sonhar um com o outro. 

M: Isto é o que as pessoas estão fazendo. Todos imaginam os ‘outros’ e buscam uma ligação com eles. O buscador é o elo, não há nenhum outro. 

P: Seguramente, deve haver algo em comum entre os muitos pontos de consciência que nós somos. 

M: Onde estão os muitos pontos? Em sua mente. Você insiste que seu mundo é independente de sua mente. Como poderia sê-lo? Seu desejo de conhecer a mente de outras pessoas deve-se ao desconhecimento de sua própria mente. Em primeiro lugar, conheça sua própria mente, e descobrirá que a questão de outras mentes não surgirá de forma alguma, pois não existem outras pessoas. Você é o fator comum, a única ligação entre as mentes. Ser é consciência; ‘eu sou’ aplica-se a todos. 

P: A Realidade Suprema (Parabrahman) pode estar presente em todos nós. Mas qual é a utilidade dela para nós? 

M: Você é como um homem que diz: ‘Necessito de um lugar onde guardar minhas coisas, mas qual a utilidade do espaço para mim?’ ou ‘Preciso de leite, chá, café ou refrigerante, mas para a água não tenho nenhuma aplicação’. Você não vê que a Suprema Realidade é a que faz tudo possível? Mas se você perguntar qual a utilidade que ela tem para você, eu deverei responder: ‘Nenhuma’. Nos assuntos da vida cotidiana, o conhecedor do real não tem vantagem alguma: pode até estar em desvantagem. Estando livre do desejo e do temor, não se protege. A própria ideia de lucro é estranha a ele; ele detesta acumulação; sua vida é constante despojar-se, compartilhar, dar. 

P: Se não há vantagem em ganhar o Supremo, então por que se dar ao transtorno? 

M: Há transtorno apenas quando você se apega a algo. Quando você não se apega a nada, nenhum problema surge. O abandono do menor é a conquista do maior. Abandone tudo e você ganhará tudo. Então a vida se tomará o que ela deve ser: pura radiação de uma fonte inesgotável. Nessa luz, o mundo aparece vagamente como um sonho. 

P: Se meu mundo for meramente um sonho e você uma parte dele, o que pode fazer por mim? Se o sonho não é real, se não tem existência, como pode a realidade afetá-lo? 

M: Enquanto durar, o sonho tem uma existência temporária. É seu desejo de apegar-se a ele que cria o problema. Deixe-o ir. Pare de imaginar que o sonho é seu. 

P: Você parece admitir como certo que pode haver um sonho sem um sonhador e que me identifico com o sonho por minha própria vontade. Mas sou o sonhador e também o sonho. Quem vai deixar de sonhar? 

M: Deixe que o sonho se desdobre até seu próprio fim. Você não pode ajudá-lo. Mas você pode ver o sonho como um sonho, negando-lhe o selo de realidade. 

P: Estou aqui, sentado diante de você. Estou sonhando e você está me observando falar em meu sonho. Qual a ligação entre nós? 

P: Minha intenção de acordá-lo é a ligação. Meu coração quer que você desperte. Vejo-o sofrer em seu sonho e sei que você deve despertar para acabar com suas angústias. Quando você vê seu sonho como sonho, você desperta. Mas não estou interessado em seu próprio sonho. É suficiente para mim que eu saiba que você deve despertar. Você não precisa levar seu sonho a uma conclusão definida, ou torná-lo nobre, ou feliz, ou belo: tudo o que você necessita é compreender que você está sonhando. Pare de imaginar, pare de acreditar. Veja as contradições, as incongruências, a falsidade e a aflição do estado humano, a necessidade de ir além. Dentro da imensidade do espaço flutua um minúsculo átomo de consciência e, nele, o universo inteiro está contido. 

P: Há sentimentos no sonho que parecem reais e duradouros. Desaparecem ao despertar? 

M: No sonho, você ama alguns e não outros. Ao acordar, você descobre que é o próprio amor que a tudo abraça. O amor pessoal, quão intenso e genuíno, invariavelmente ata; amar em liberdade é amar a todos. 

P: As pessoas vêm e vão. Ama-se quem se encontra, não se pode amar a todos. 

M: Quando você é o próprio amor, você está além do tempo e dos números. Amando um você ama a todos, ama a cada um. Um e todos não são exclusivos. 

 P: Você diz que está em um estado atemporal. Isso significa que passado e futuro estão abertos para você? Você encontrou Vashistha Muni, o Guru de Rama? 

M: A pergunta está no tempo e se refere ao tempo. Novamente, você está me perguntando sobre o conteúdo do sonho. A atemporal idade está além da ilusão do tempo, não é uma extensão do tempo. O que a si mesmo chamava Vashistha conheceu Vashistha. Eu estou além de todos os nome e formas. Vashistha é um sonho em seu sonho. Como eu poderia conhecê-lo? Você está muito interessado no passado e no futuro. Tudo se deve a seu desejo de continuar, de proteger-se contra a extinção. E como você quer continuar, quer que outros o acompanhem, daí seu interesse na sobrevivência deles. Mas o que você chama de sobrevivência não é senão a sobrevivência de um sonho. A morte é preferível a isto. Há uma possibilidade de despertar. P: Você está consciente da eternidade, portanto você não está interessado na sobrevivência.

M: É ao contrário. A liberdade de todo desejo é eternidade. Todo apego implica temor, pois todas as coisas são transitórias. E o medo o faz um escravo. A liberdade do apego não vem com a prática; ela é natural, quando se conhece seu verdadeiro ser. O amor não se apega; apegar-se não é amar. 

P: Assim, não há nenhuma maneira de ganhar o desapego? 

M: Não há nada a ganhar. Abandone todas as imaginações e conheça- se como você é. O autoconhecimento é desapego. Todo desejo é devido a um sentido de insuficiência. Quando você sabe que não lhe falta nada, que tudo o que existe é você e seu, o desejo cessa. 

P: Para conhecer-me devo praticar a Consciência? 

M: Não há nada a praticar. Para conhecer a si mesmo, seja você mesmo. Para ser você mesmo, pare de se imaginar sendo isto ou aquilo. Apenas seja. Deixe sua verdadeira natureza emergir. Não perturbe sua mente com a busca. 

P: Levará muito tempo se eu só me dedicar a esperar pela autor realização. 

M: O que você tem que esperar quando já está aqui e agora? Você tem apenas que olhar e ver. Olhe para seu ser, para seu próprio ser. Você sabe que você é, e você gosta disto. Abandone toda a imaginação, isto é tudo. Não confie no tempo. O tempo é morte. Quem espera - morre. Avida existe apenas agora. Não me fale sobre o passado e sobre o futuro - eles existem apenas em sua mente. 

P: Você também morrerá. 

M: Eu já estou morto. A morte física não fará nenhuma diferença no meu caso. Eu sou o ser eterno. Estou livre de desejo e de medo, pois não recordo o passado, ou imagino o futuro. Onde não há nomes e formas, como poderia haver desejo e medo? Com o estado sem desejos vem a atemporal idade. Estou seguro, porque o que não é não pode tocar o que é. Você se sente inseguro porque você imagina o perigo. Certamente, seu corpo como tal é complexo e vulnerável, e necessita de proteção. Mas você não. Uma vez que você compreenda seu próprio ser inexpugnável, você estará em paz. 

P: Como posso encontrar paz quando o mundo sofre? 

M: O mundo sofre por muitas razões válidas. Se você quer ajudar o mundo, deve ir além da necessidade de ajuda. Então todo seu fazer, assim como seu não fazer, ajudarão o mundo mais efetivamente. 

P: Como pode a não ação ser útil onde a ação é necessária? 

M: Onde a ação é necessária, a ação acontece. O homem não é o ator. Sua ação é estar consciente do que acontece. Sua própria presença é ação. A janela é a ausência da parede, e oferece ar e luz porque está vazia. Seja vazio de todo conteúdo mental, de toda imaginação e esforço, e a própria ausência de obstáculos causará o irromper da realidade. Se você quiser realmente ajudar uma pessoa, afaste-se. Se você estiver emocionalmente comprometido em ajudar, você falhará nisto. Você pode estar muito ocupado e satisfeito com sua natureza caritativa, mas não muito será feito. Um homem é realmente ajudado quando não necessita mais de ajuda. Tudo o mais é apenas futilidade. 

P: Não há tempo suficiente para sentar e esperar que a ajuda aconteça. Deve-se fazer alguma coisa. 

M: Sem dúvida - faça. Mas o que você pode fazer é limitado; só o ser é ilimitado. Dê ilimitadamente - de você mesmo. Tudo o mais você pode dar em pequenas doses apenas. Só você é incomensurável. Ajudar é sua própria natureza. Até quando você come e bebe, você ajuda seu corpo. Para você mesmo, você não necessita de nada. Você é pura dádiva, sem começo nem fim, inesgotável. Quando você vê a aflição e o sofrimento, fique com eles. Não se precipite na atividade. Nem o aprendizado nem a ação podem ajudar realmente. Fique com a aflição e descubra suas raízes - ajudar a compreender é a ajuda real. 

P: Minha morte se aproxima. 

M: Seu corpo é limitado no tempo, não você. Tempo e espaço estão apenas na mente. Você não é limitado. Apenas compreenda a si mesmo - isso em si é eternidade.

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