Pergunta: A tradição da índia nos diz que o Guru é indispensável. Para que ele é indispensável? Uma mãe é indispensável para dar um corpo à criança. Mas ela não dá a alma. Seu papel é limitado. Como é com o Gum? Seu papel também é limitado e, se o é, a quê? Ou ele é via de regra indispensável, mesmo absolutamente?
Maharaj: A luz íntima, brilhando pacífica e eternamente no coração, é o Guru real. Todas as outras meramente mostram o caminho.
P: Não estou preocupado com o Guru interior, apenas com o que mostra o caminho. Há pessoas que acreditam que, sem um Guru, a Ioga é inacessível. Eles sempre estão na busca do Guru adequado, mudando de um para outro. De que valem tais Gurus?
M: Eles são apenas temporários, Gurus limitados pelo tempo. Você os encontra em todos os caminhos da vida. Você os necessita para adquirir algum conhecimento ou habilidade.
P: Uma mãe existe apenas por uma vida, ela começa no nascimento e acaba na morte. Ela não é para sempre.
M: Similarmente, o Guru limitado pelo tempo não é para sempre. Ele preenche seu propósito e cede seu lugar ao próximo. É totalmente natural e não há culpa nisto.
P: Para todo tipo de conhecimento ou habilidade, eu necessito um Guru diferente?
M: Não pode existir nenhuma regra nestes assuntos, exceto uma, tu exterior é transitório, o mais íntimo é permanente e imutável’, embora sempre seja novo em aparência e ação.
P: Qual a relação entre os Gurus interno e externo?
M: O externo representa o interno, o interno aceita o externo - por um tempo.
P: De quem é o esforço?
M: Do discípulo, certamente. O Guru externo dá as instruções, o interno envia a força: a aplicação alerta é do discípulo. Sem vontade, inteligência e energia por parte do discípulo, o Guru externo fica sem saída. O Guru interno oferece sua oportunidade. A obtusidade e as ocupações erradas produzem uma crise, e o discípulo desperta para sua própria condição. Sábio é o que não espera por um choque que pode ser muito rude.
P: É uma ameaça?
M: Não uma ameaça, uma advertência. O Guru interno não está comprometido com a não violência. Ele pode, às vezes, ser totalmente violento a ponto de destruir a personalidade obtusa ou pervertida. O sofrimento e a morte, como a vida e a felicidade, são suas ferramentas de trabalho. É apenas na dualidade que a não violência toma-se uma lei unificadora.
P: Deve-se ter medo de seu próprio eu?
M: Medo não, porque o eu significa o bem. Mas deve ser seriamente levado em consideração. Ele pede sua atenção e obediência: e, quando não é ouvido, passa da persuasão à compulsão, pois, embora possa esperar, não deverá ser negado. A dificuldade não está com o Guru, interno ou externo. O Guru sempre está disponível. O que está faltando é o discípulo maduro. Quando a pessoa não está pronta, o que pode ser feito?
P: Pronta ou disposta?
M: As duas coisas. Vêm a ser o mesmo. Na índia, o chamamos ad- hikari. Significa ambas as coisas, capaz e autorizado.
P: O Guru externo pode conceder a iniciação (diksha)? M: Ele pode dar todo tipo de iniciações, mas a iniciação à realidade deve vir de dentro.
P: Quem dá a última iniciação?
M: É autoconcedida.
P: Sinto que estamos nos movendo em círculos. Depois de tudo, só conheço um único eu, o presente, o eu empírico. O eu interior ou superior é apenas uma ideia concebida para explicar e encorajar. Falamos dele como se tivesse uma existência independente. Não a tem.
M: O eu interno e o externo são imaginados. A obsessão de ser um ‘eu' necessita outra obsessão com um ‘super eu' para ser curada, como se necessita outro espinho para remover um espinho, ou outro veneno para neutralizar um veneno. Toda afirmação exige uma negação, mas este é apenas o primeiro passo. O próximo é ir além de ambas.
P: Entendo que o Guru externo é necessário para chamar minha atenção para mim mesmo e para a urgente necessidade de fazer algo a meu respeito. Também compreendo quão desamparado ele está no que diz respeito a qualquer mudança profunda em mim. Mas aqui você introduz o sadguru. o Guru interior, sem princípio, imutável, a raiz do ser, a constante promessa, a meta certa. Ele é um conceito ou uma realidade?
M: Ele é a única realidade. Tudo o mais é sombra, moldada pelo corpo-mente (deha-buddhi) sobre a face do tempo. Certamente, mesmo uma sombra está relacionada com a realidade, mas por si mesma ela não é real.
P: Sou a única realidade que conheço. O sadguru existe enquanto eu pensar nele. O que ganho desviando a realidade para ele?
M: Sua perda é seu ganho. Quando a sombra é vista apenas como sombra, você para de persegui-la. Você se vira e descobre o sol que estava ali o tempo todo, atrás de suas costas!
P: O Guru interior também ensina?
M: Ele concede a convicção de que você é o eterno, o imutável, realidade-consciênciaamor, dentro e além de todas as aparências.
P: Uma convicção não é o bastante. Deve haver certeza.
M: Exatamente. Mas, neste caso, a certeza toma a forma de coragem. 0 medo cessa absolutamente. Este estado de coragem é tão inequivocamente novo e, ainda assim, sentido tão profundamente como próprio, que não pode ser negado. É como amar o próprio filho. Quem pode duvidar disto?
P: Ouvimos falar de progresso em nossos esforços espirituais. Que tipo de progresso você tem em mente?
M: Quando você for além do progresso, você saberá o que o progresso é. P: O que nos faz progredir?
M: O silêncio é o fator principal. Em paz e silêncio você cresce.
P: A mente é tão absolutamente inquieta. Para aquietá-la, qual é o caminho?
M: Confie no mestre. Considere meu próprio caso. Meu Guru ordenou-me que me ocupasse com o sentido ‘eu sou’ e a não dar atenção a nada mais. Eu apenas obedeci. Não segui nenhum curso particular de respiração ou de meditação, ou estudo das escrituras. O que quer que acontecesse, eu afastaria minha atenção e permaneceria com o sentido ‘eu sou’; isto pode parecer muito simples, mesmo rude. Minha única razão para fazê-lo era que meu Guru me havia dito assim. Mas funcionou! A obediência é um poderoso solvente de todos os desejos e temores. Apenas afaste-se de tudo que ocupa a mente; faça qualquer trabalho que tenha que completar, mas evite novas obrigações; mantenha-se vazio, disponível, não resista ao inesperado. No final você alcançará um estado de não apreensão, de alegre desapego, de tranquilidade e liberdade interior indescritível e, ainda assim, maravilhosamente real.
P: Quando um buscador da verdade pratica seriamente suas Iogas, seu Guru interior o guia e ajuda ou o deixa a seus próprios recursos, simplesmente esperando o resultado?
M: Tudo acontece por si mesmo. Nem o buscador, nem o Guru fazem nada. As coisas acontecem como elas acontecem; culpa ou louvor são repartidos mais tarde, depois do aparecimento do sentido de autoria.
P: Que estranho! Seguramente o autor vem antes do ato.
M: É ao contrário; o ato é o fato, o autor, um mero conceito. Sua própria linguagem mostra que, enquanto o ato seja certo, o autor é dúbio; desviar a responsabilidade é um jogo peculiarmente humano. Considerando a interminável lista de fatores requeridos para que qualquer coisa aconteça, pode-se apenas admitir que tudo é responsável por tudo, quão remoto seja. A autoria é um mito nascido da ilusão do ‘eu’ e do ‘meu’.
P: Quão poderosa a ilusão!
M: Sem dúvida, porque está baseada na realidade.
P: O que tem de real nela?
M: Descubra pelo discernimento e rejeitando tudo o que é irreal.
P: Não entendi bem o papel do eu interno no esforço espiritual. Quem faz o esforço? É o eu externo ou o interno?
M: Você inventou palavras tais como esforço, interno, externo, eu, etc., e busca impô-las à realidade. As coisas apenas acontecem como elas são, mas queremos construí-las dentro de um padrão estabelecido pela estrutura de nossa linguagem. Tão forte é este hábito, que tendemos a negar realidade ao que não pode ser verbalizado. Nós apenas recusamos ver que as palavras são meros símbolos relacionados, por convenção e hábito, a experiências repetidas.
P: Qual o valor dos livros espirituais?
M: Ajudam a dissipar a ignorância. São úteis no início, mas se tornam obstáculos no fim. Deve-se saber quando descartá-los.
P: Qual é a ligação entre atma e sattva, entre o eu e a harmonia universal?
M: Como entre o sol e seus raios. A harmonia e a beleza, a compreensão e o afeto são todos expressões da realidade. O impacto do espírito sobre a matéria é a realidade em ação. Tamas obscurece, rajas distorce. sattva harmoniza. Com a maturidade de sattva acabam todos os desejos e temores. O Ser real se reflete na mente não distorcida. A matéria é redimida, o espírito, revelado. Os dois são vistos como um. Sempre foram um. mas a mente imperfeita os via como dois. A tarefa do homem é aperfeiçoar a mente, pois a matéria e o espírito se encontram nela.
P: Sinto-me como um homem diante de uma porta. Sei que a porta está aberta, mas guardada pelos cães do desejo e do medo. O que devo fazer?
M: Obedeça ao mestre e desafie os cães. Comporte-se como se eles não estivessem ali. Novamente, a obediência é a regra dourada. A liberdade é ganha pela obediência. Para escapar da prisão, deve-se obedecer inquestionavelmente às instruções enviadas por aqueles que trabalham pela libertação.
P: As palavras do Guru, quando meramente ouvidas, têm pouco poder. Deve-se ter fé para obedecê-las. O que cria tal fé?
M: Quando chega a hora, chega a fé. Tudo vem a seu tempo. O GURI está sempre pronto para compartilhar, mas não existem tomadores.
P: Sim, Sri Ramana Maharshi dizia: Gurus existem muitos, mas onde estão os discípulos?
M: Bem, no curso do tempo tudo acontece. Todos alcançarão a vitória, nem uma simples alma (jiva) será perdida.
P: Tenho muito medo de confundir a compreensão intelectual com a realização. Posso falar da verdade sem conhecê-la, e posso conhecê-la sem dizer uma única palavra. Entendi que estas conversas serão publicadas. Qual será seu efeito sobre o leitor?
M: No leitor atento e ponderado elas amadurecerão e produzirão flores e frutos. As palavras baseadas na verdade, se totalmente examinadas, têm seu próprio poder.
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