91- PRAZER E FELICIDADE

Pergunta: Disseram a um amigo, um jovem de uns vinte e quatro anos, que sofre de uma enfermidade incurável do coração. Ele me escreveu dizendo que, no lugar de uma morte lenta, prefere o suicídio. Eu lhe respondi que uma enfermidade incurável para a medicina ocidental talvez possa ser curada por outros meios. Há poderes ióguicos que podem produzir mudanças quase instantâneas no corpo humano. Os efeitos do jejum repetido também beiram o milagroso. Escrevi para ele dizendo que não tivesse pressa em morrer, mas que desse uma oportunidade para outros meios. Há um iogue que vive não muito longe de Bombaim, que possui alguns poderes milagrosos. Especializou-se no controle das forças vitais que governam o corpo. Encontrei-me com alguns de seus discípulos e enviei ao iogue, por meio deles, a carta e a foto de meu amigo. Vejamos o que acontecerá. 

Maharaj: Sim, os milagres frequentemente acontecem. Mas o desejo de viver deve existir. Sem ele, o milagre não acontecerá. 

P: O desejo pode ser induzido? 

M: Os desejos superficiais, sim. Mas serão exauridos. Fundamental- mente, ninguém pode obrigar um outro a viver. Além disso, havia culturas em que o suicídio teve seu reconhecimento e lugar respeitados. 

P: Não é obrigatório viver a duração natural de nossa vida até o fim? 

M: Natural, espontânea e facilmente, sim. Mas a enfermidade e o sofrimento não são naturais. Há uma nobre virtude em suportar inabalavelmente qualquer coisa que nos chegue, mas também há dignidade em recusar a tortura e a humilhação sem sentido. 

P: Deram-me um livro escrito por um siddha. Ele descreve nele muitas de suas estranhas e mesmo incríveis experiências. Segundo ele, o caminho do verdadeiro sadhaka termina com o encontro do Guru e da entrega a ele do corpo, da mente e do coração. A partir disto, o Guru toma as rédeas e se faz responsável até do mínimo acontecimento na vida do discípulo, até que os dois se convertam em um. Poderíamos chamar a isto de realização através da identificação. O discípulo é tomado por um poder a que não pode controlar nem resistir, sentindo-se desamparado como uma folha na tempestade. A única coisa que o mantém afastado da loucura e da morte é sua fé no amor e poder de seu Guru. 

M: Todos os mestres ensinam de acordo com suas próprias experiências. A experiência é modelada pela crença, e a crença é modelada pela experiência. Mesmo o Guru é modelado pelo discípulo à sua própria imagem. É o discípulo que torna grande o seu Guru. Uma vez que o Guru seja visto como o agente de um poder libertador, que trabalha dentro e fora, a entrega sincera de si se torna natural e fácil. Do mesmo modo que um homem agarrado pela dor se porá completamente nas mãos do cirurgião, assim também o discípulo se entregará sem reservas a seu Guru. É muito natural buscar ajuda quando a necessidade é agudamente sentida. Mas, por muito poderoso que seja o Guru, ele não deve impor sua vontade sobre o discípulo. Por outro lado, um discípulo que desconfia e hesita está condenado a permanecer não realizado, sem culpa alguma por parte do Guru. 

P: O que acontecerá então? 

M: A vida ensinará onde todas as outras coisas falharam; mas as lições da vida tardam muito a chegar. Muito atraso e problemas serão poupados se houver obediência e confiança. Mas isto só acontecerá quando a indiferença e a inquietação derem lugar à claridade e à paz. Um homem que se tem em baixa estima não será capaz de confiar em si mesmo, nem em ninguém mais. Portanto, no princípio, o mestre faz tudo o que pode para reafirmar ao discípulo sua elevada origem, sua natureza nobre e glorioso destino. Relata-lhe as experiências de alguns santos iguais às suas próprias, infundindo confiança nele mesmo e em suas infinitas possibilidades. Quando se une a segurança de si mesmo e a confiança no mestre, poderão acontecer mudanças rápidas e de amplo alcance no caráter e na vida. 

P: Eu posso não querer mudar. Minha vida é bastante boa como é. M: Você diz isto porque não viu quão dolorosa é a vida que vive. Você é como uma criança com um pirulito na boca. Você pode se sentir feliz por um momento ao estar totalmente centrado em si mesmo, mas basta dar uma boa olhada para o rosto das pessoas para perceber a universalidade do sofrimento. Mesmo sua felicidade é muito vulnerável e breve, à mercê de uma bancarrota, ou de uma úlcera no estômago. É só um momento de pausa, um mero lapso entre dois sofrimentos. A felicidade real não é vulnerável porque não depende das circunstâncias. 

F: Você fala por experiência própria? Você também é infeliz? 

M: Eu não tenho problemas pessoais. Mas o mundo está cheio de seres vivos cujas vidas estão espremidas entre o temor e a ânsia. São como gado levado ao matadouro, pulando e saltando, felizes e despreocupados, embora estejam mortos e sem pele no prazo de uma hora. Você disse que é feliz. É realmente feliz ou somente está tentando convencer-se? Olhese com coragem e compreenderá imediatamente que sua felicidade depende das condições e circunstâncias e que, portanto, é momentânea, não real. A felicidade real flui de dentro. 

P: De que utilidade é sua felicidade para mim? Ela não me faz feliz. 

M: Você pode tê-la toda e mais, apenas por pedi-la. Mas não a pede. Você parece não desejá-la. 

P: Por que diz isso? Eu quero ser feliz. 

M: Você está muito satisfeito com os prazeres. Não há lugar para a felicidade. Esvazie sua taça e limpe-a. De outro modo não poderá enchê-la. Os outros podem lhe dar prazer, nunca a felicidade. 

P: Uma cadeia de fatos prazerosos é suficiente. 

M: Logo isto termina em dor, se não em desastre. Que é a Ioga, afinal de contas, senão buscar a felicidade duradoura dentro de si mesmo? 

P: Você só pode falar do Oriente. No Ocidente, as condições são diferentes e o que você diz não se aplica. 

M: Não há nenhum Oriente ou Ocidente em aflição e temor. O problema é universal - o sofrimento e o fim do sofrimento. A causa do sofrimento é a dependência e o remédio é a independência. A Ioga é a ciência e a arte da autoliberação mediante a autocompreensão. 

P: Não creio estar apto para a Ioga. 

M: Para que outra coisa é apto? Todas as suas idas e vindas, buscando prazer, amando ou odiando - tudo isso mostra que você luta contra as limitações autoimpostas ou aceitas. Em sua ignorância, você comete erros e causa dor a si mesmo e aos demais, mas o impulso está aí e não deve ser negado. O mesmo impulso que busca o nascimento, a felicidade e a morte buscará a compreensão e a liberação. É como uma fagulha em uma carga de algodão. Pode ser que você não saiba, mas cedo ou tarde o barco queimará em chamas. A liberação é um processo natural e, em longo prazo, inevitável. Mas está dentro de seu poder trazê-la ao agora. 

P: Então, por que há tão pouca gente liberada no mundo? 

M: Em uma floresta apenas algumas árvores estão em plena florescência em dado momento, mas cada uma delas terá sua vez. Cedo ou tarde seus recursos físicos e mentais acabarão. Que fará então? Desesperar-se? Muito bem, desespere-se. Cansar-se-á de desesperar-se e começará a questionar. Nesse momento estará apto para a Ioga consciente. 

P: Acho todo este buscar e ruminar totalmente não natural. 

M: Sua naturalidade é a de um aleijado de nascimento. Pode ser que não seja consciente disso, mas não o faz normal. Você não sabe o que significa natural ou normal, e tampouco sabe que não sabe. No presente momento você está à deriva e, portanto, em perigo porque, para um vagabundo, a qualquer momento, qualquer coisa pode acontecer. Seria melhor despertar e ver sua situação. Que você é, você sabe; o que você é, você não sabe. Descubra o que você é. 

P: Por que há tanto sofrimento no mundo? 

M: O egoísmo é a causa do sofrimento. Não há nenhuma outra causa. 

P: Eu tinha entendido que o sofrimento é inerente às limitações. 

M: As diferenças e distinções não são as causas da aflição. A unidade na diversidade é natural e boa. É só com a separação e a busca do interesse próprio que o sofrimento real aparece no mundo.

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