80- CONSCIÊNCIA

Pergunta: Toma tempo compreender o Eu, ou o tempo não pode ajudar a compreendê-lo? A auto realização é só uma questão de tempo ou depende de outros fatores além do tempo? 

Maharaj: Toda espera é fútil. Depender do tempo para resolver nossos problemas é auto enganar-se. O futuro, deixado a si mesmo, meramente repete o passado. A mudança só pode acontecer agora, nunca no futuro. P: O que produz uma mudança? M: Veja com claridade cristalina a necessidade de mudança. Isto é tudo. 

P: A auto realização acontece na matéria ou além? Não é uma experiência que depende do corpo e da mente para acontecer? 

M: Toda experiência é ilusória, limitada e temporal. Não espere nada da experiência. A realização por si mesma não é uma experiência, embora possa levar a uma nova dimensão de experiências. Apesar disto, as novas experiências, por interessantes que sejam, não são mais reais que as velhas. Definitivamente, a realização não é uma nova experiência. É o descobrimento do fator atemporal em cada experiência. É a Consciência que faz a experiência possível. Exatamente como em todas as cores a luz é o fator neutro, assim também, em cada experiência, a Consciência está presente, embora eia não seja uma experiência. 

P: Se a Consciência não é uma experiência, como pode ser percebida? 

M: A Consciência está sempre aí. Ela não precisa ser realizada. Abra o obturador da mente, e ela será inundada de luz. 

P: O que é a matéria? 

M: A matéria é o que você não entende. 

P: A ciência compreende a matéria. 

M: A ciência meramente empurra para trás as fronteiras de nossa ignorância. 

P: E o que é a natureza? 

M: A natureza é a totalidade das experiências conscientes. Como um eu consciente, você é parte da natureza. Como Consciência, você está além. Ver a natureza como mera consciência é Consciência. 

P: Existem níveis de Consciência? 

M: Existem níveis na consciência, mas não na Consciência, Ela é um só bloco homogêneo. Seu reflexo na mente é amor e compreensão. Há níveis de claridade na compreensão e de intensidade no amor, mas não em sua fonte. A fonte é simples e única, mas seus dons são infinitos. Apenas não tome os dons pela fonte. Entenda-se como a fonte e não como o rio; isso é tudo. 

P: Eu sou o rio também. 

M: Certamente o é. Como o ‘eu sou’, você é o rio, fluindo entre as margens do corpo. Mas também é a fonte e o oceano, e as nuvens do céu. Onde quer que haja vida e consciência, aí está você. Menor que o menor, maior que o maior, você é, enquanto tudo o mais aparece. 

P: O sentido de ser e o sentido de viver são o mesmo ou são diferentes? M: A identidade no espaço cria um, a continuidade no tempo cria o outro.

P: Você disse uma vez que o que vê, o ver e o visto, são uma só coisa, não três. Para mim, os três estão separados. Não duvido de suas palavras, apenas não as compreendo. 

 M: Olhe com atenção e verá que o que vê e o visto só aparecem quando há ver. São atributos do ver. Quando você diz ‘eu estou vendo isto', o ‘eu estou' e o 'isto' vêm com o ver, não antes. Não pode haver um ‘isto’ não visto nem um ‘eu sou' que não veja. 

P: Posso dizer: ‘Eu não vejo'. 

M: O ‘eu estou vendo isto' converteu-se em ‘eu estou vendo que não vejo' ou em ‘estou vendo a escuridão'. O ver permanece. Na trilogia: o conhecido, o conhecer e o conhecedor, só o conhecer é um fato. O ‘eu sou' e o ‘isto' são duvidosos. Quem conhece? O que é conhecido? Não há certeza senão no fato de conhecer. 

P: Por que estou certo de conhecer, mas não do conhecedor? 

M: Conhecer é um reflexo de sua verdadeira natureza, junto com o ser e o amar. O conhecedor e o conhecido são acrescentados pela mente. Está na natureza da mente criar uma dualidade sujeito-objeto onde não há nenhuma. 

P: Qual é a causa do temor e do desejo? 

M: Obviamente, a recordação das dores e dos prazeres passados. Não há nenhum grande mistério a respeito. O conflito só surge quando o desejo e o temor se referem ao mesmo objeto. 

P: Como pôr um fim à memória? 

M: Isto não é necessário nem possível. Compreenda que tudo acontece na consciência e que você é a raiz, a origem, o fundamento da consciência. O mundo é apenas uma sucessão de experiências e você é o que as faz conscientes, permanecendo, ainda assim, além de toda experiência. É como o calor, a chama e a madeira que queima. O calor mantém a chama, a chama consome a madeira. Sem o calor, não haveria chama nem combustível. Similarmente, sem Consciência, não haveria nem consciência nem vida, a qual transforma a matéria em veículo da consciência. 

P: Você sustenta que, sem mim, não haveria mundo, e que o mundo e meu conhecimento do mundo são idênticos. A ciência chegou a uma conclusão muito diferente: o mundo existe como algo concreto e contínuo, enquanto eu sou um subproduto da evolução biológica do sistema nervoso, o qual é, primariamente, não tanto um centro de consciência como um mecanismo de sobrevivência como indivíduo e como espécie. Sua visão é totalmente subjetiva, enquanto a ciência trata de descrever tudo em termos objetivos. É inevitável esta contradição? 

 M: A confusão é aparente e puramente verbal. O que é, é. Nem subjetivo nem objetivo. Mente e matéria não são separadas, são aspectos da única energia. Olhe para a mente como função da matéria e você terá a ciência; olhe para a matéria como produto da mente e você terá a religião. 

P: Mas qual é a verdade? O que vem primeiro, a mente ou a matéria? 

M: Nenhuma vem em primeiro lugar, pois nenhuma aparece só. A matéria é a forma, a mente é o nome. Juntas, elas fazem o mundo. Impregnando e transcendendo está a Realidade, o puro ser - Consciência - felicidade, sua própria essência. 

P: Tudo o que conheço é a corrente da consciência, uma sucessão interminável de eventos. O rio do tempo flui, trazendo e retirando implacavelmente. A transformação do futuro em passado continua todo o tempo.

M: Você não é vítima de sua linguagem? Fala sobre o fluxo do tempo como se você fosse estacionário. Mas os eventos testemunhados ontem por você, outra pessoa poderá vê-los amanhã. É você o que está em movimento, não o tempo. Deixe de mover-se e o tempo cessará. 

P: O que isso significa - o tempo cessará? 

M: O passado e o futuro se fundirão no eterno agora. 

P: Mas o que isso significa na experiência real? Como sabe que, para você, o tempo cessou? 

M: Pode significar que o passado e o futuro já não importam mais. Também pode significar que tudo o que aconteceu e tudo que acontecerá se convertem em um livro aberto para ser lido à vontade. 

P: Posso imaginar uma espécie de memória cósmica, acessível com algum treinamento. Mas como pode ser conhecido o futuro? O inesperado é inevitável. 

M: O inesperado em um nível pode ser algo que seja certo acontecer quando visto de um nível mais alto. Depois de tudo, estamos dentro dos limites da mente. Na realidade nada acontece, não há passado nem futuro, tudo aparece e nada é. 

P: O que significa, nada é? Você se torna vazio, ou vai dormir? Ou você dissolve o mundo e nos mantém a todos em expectativa até que sejamos devolvidos à vida, com a piscada seguinte de seu pensamento? 

M: Oh, não. Não é tão mau assim. O mundo da mente e da matéria, dos nomes e das formas, continua, mas não me importa em absoluto. É como ter uma sombra. Ela está ali, seguindo-me aonde vou, mas sem atrapalhar-me de modo algum. Segue sendo um mundo de experiências, mas não de nomes e formas relacionados a mim pelos desejos e temores. As experiências não têm qualidades, são puras experiências, se assim posso dizer. Chamo-as experiências por falta de uma palavra melhor. Elas são como as ondas sobre a superfície do oceano, o sempre presente, mas sem afetar o seu poder pacífico. 

P: Você quer dizer que uma experiência pode ser indescritível, sem nome ou forma? 

M: No princípio toda experiência é assim. São apenas o desejo e o temor, nascidos da memória, que lhe dão nome e forma e a separam das outras experiências. Não é uma experiência consciente, pois não se opõe a outras experiências, mesmo sendo igualmente uma experiência. 

P: Se não é consciente, por que falar dela? 

M: A maioria de suas experiências é inconsciente. São poucas as conscientes. Você não é consciente do fato porque para você só conta as conscientes. Faça-se consciente do inconsciente. 

P: Pode alguém ser consciente do inconsciente? Como seria feito? 

M: O desejo e o temor são os fatores que obscurecem e distorcem. Quando a mente se libera deles, o inconsciente se torna acessível. 

P: Quer dizer que o inconsciente se torna consciente? 

M: É, ao invés disto, o contrário. O consciente se faz um com o inconsciente. A distinção cessa, não importando o modo como o considere. 

P: Estou surpreso. Como se poderia ser consciente e ainda assim inconsciente?

M: A Consciência não se limita à consciência. Ela é tudo que é. A consciência pertence à dualidade. Não há dualidade na Consciência. É um único bloco de pura cognição. Do mesmo modo, pode-se falar do puro ser e da pura criação - sem nome, sem forma, silenciosos e, ainda assim, absolutamente reais, poderosos, efetivos. Serem indescritíveis não os afeta o mínimo. Enquanto inconscientes, são essenciais. O consciente não pode mudar fundamentalmente, só pode modificar-se. Cada coisa, para mudar, deve passar pela morte, pelo obscurecimento e pela dissolução. As joias de ouro devem ser fundidas antes de serem moldadas em outras formas. O que se nega a morrer não pode renascer. 

P: Salvo a morte do corpo, como se morre? 

M: Recuar, desapegar-se. abandonar-se, à morte. Para viver plenamente, a morte é essencial; cada final constitui um novo começo. Por outro lado, compreenda que só os mortos podem morrer, não os vivos. Isto que está vivo em você é imortal. 

P: De onde vem a energia do desejo? 

M: O nome e a forma são retirados da memória. A energia flui da fonte. 

P: Alguns desejos são totalmente incorretos. Como os desejos incorretos podem fluir de uma fonte sublime? 

M: A fonte não é nem correta nem incorreta. O desejo por si mesmo certo ou errado. É apenas o esforço para ser feliz. Tendo-se identificado com a nódoa de um corpo, você se sente perdido e busca desesperadamente o sentido de plenitude e de integridade que você chama felicidade. 

P: Quando a perdi? Eu nunca a tive. 

M: Você a tinha antes de despertar esta manhã. Vá além de sua consciência e a encontrará. P: Como ir além? 

M: Você já sabe como: faça-o. 

P: Isso é o que você diz. Não sei nada a respeito. 

M: Não obstante, repito - já o sabe. Faça-o. Vá além, de volta a seu estado normal, natural, supremo. P: Estou desorientado. 

M: Uma mancha no olho o faz pensar que está cego. Lave-o e olhe. 

P: Eu olho! Só vejo escuridão. M: Elimine a mancha e seus olhos ficarão inundados de luz. A luz está aí - esperando. Os olhos estão aí - prontos. A escuridão que você vê é apenas a sombra da mancha. Livre-se dela e volte ao seu estado natural.

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