20- O SUPREMO ESTÁ ALÉM DE TUDO

Pergunta: Você diz que a realidade é uma. A unidade, a unicidade, é um atributo da pessoa. Então a realidade é uma pessoa, com o universo como seu corpo? 

Maharaj: O que quer que você possa dizer será tanto verdadeiro quanto falso. As palavras não vão além da mente. 

P: Eu apenas tento compreender. Você nos fala da Pessoa, do Eu e do Supremo (vyakti, vyakta, avyakta). A luz da Consciência Pura (pragna) enfocada como ‘eu sou’ no Eu (jivatma), como consciência (chetana), ilumina a mente (antahkarana) e, como vida (prana), vitaliza o corpo (deha). Tudo isto está muito bem no que se refere às palavras. Mas, quando trato de distinguir em mim mesmo a pessoa do Eu e o Eu do Supremo, fico confuso. 

M: A pessoa nunca é o sujeito. Você pode ver uma pessoa, mas você não é a pessoa. Você é sempre o Supremo que aparece em um dado ponto do tempo e do espaço como a testemunha, uma ponte entre a Consciência Pura do Supremo e a consciência múltipla da pessoa. 

P: Quando olho para mim mesmo, vejo que sou diversas pessoas lutando entre si mesmas pelo uso do corpo. 

M: Elas correspondem às várias tendências (samskara) da mente. 

P: Posso fazer a paz entre elas? 

M: Como poderia? Elas são tão contraditórias! Veja-as como são - meros hábitos de pensamentos e sentimentos, acumulações de recordações e desejos. 

P: Mas todas dizem ‘eu sou’. 

M: Apenas porque você se identifica com elas. Quando compreender que qualquer coisa que apareça diante de você não pode ser você mesmo e não pode dizer ‘eu sou’, ver-se-á livre de todas estas ‘pessoas’ e de suas exigências. O sentido ‘eu sou’ é seu, não pode abrir mão dele, mas pode comunicá-lo a qualquer coisa, como quando diz: sou jovem, sou rico, etc. Tais autoidentificações são claramente falsas e são a causa das limitações. 

P: Agora posso entender que não sou a pessoa, mas aquele que, quando refletido na pessoa, dá a ela o sentido de ser. Agora, com relação ao Supremo? De que modo conhecerei a mim mesmo como o Supremo? 

M: A fonte da consciência não pode ser um objeto na consciência. Conhecer a fonte é ser a fonte. Quando você entende que você não é a pessoa, mas a testemunha pura e calma, e que a Consciência destemida é seu verdadeiro ser, você é o ser. Ele é a fonte, a Possibilidade Inesgotável. 

P: Existem muitas fontes ou apenas uma para tudo? M: Depende de como o veja, de que extremo. Os objetos no mundo são muitos, mas o olho que os vê é um. O maior sempre aparece como um ao menor e o menor como múltiplo ao maior. 

P: As formas e nomes são todos de um único e mesmo Deus? 

 M: De novo, tudo depende de como você olhar para isto. No nível verbal, tudo é relativo. O Absoluto deve ser experienciado, não discutido. 

P: Como o Absoluto é experienciado?

M: Ele não é um objeto que possa ser reconhecido e armazenado na memória. Está especialmente no presente e no sentimento. Tem mais relação com o ‘como’ que com o ‘quê’. Está na qualidade, no valor; sendo origem de tudo, está em tudo. 

P: Se ele é a origem, por que e como manifesta a si mesmo? 

M: Ele dá nascimento à consciência. Tudo o mais está na consciência. 

P: Por que há tantos centros de consciência? 

M: O universo objetivo (mahakadash) está em constante movimento, projetando e dissolvendo inumeráveis formas. Quando uma forma é infundida com vida (prana), a consciência (chetana) aparece pela reflexão da Consciência na matéria. P: Como o Supremo é afetado? 

M: O que pode afetá-lo e como? A nascente não é afetada pelas sinuosidades do rio, nem o metal pela forma da joia. A luz é afetada pela imagem na tela? O Supremo faz todas as coisas possíveis, isto é tudo. 

P: Como é que algumas coisas acontecem e outras não? 

M: A busca de causas é um passatempo da mente. Não existe dualidade de causa e efeito. Tudo é sua própria causa. 

P: Então não é possível uma ação intencional? 

M: Tudo o que digo é que a consciência contém tudo. Na consciência tudo é possível. Você pode ter causas se as quiser, em seu mundo. Outro talvez se contente com uma só causa - a vontade de Deus. A raiz é uma: o sentido de ‘eu sou’. 

P: Que relação há entre o Eu (Vyakta) e o Supremo (Avyakta)? 

M: Do ponto de vista do ser, o mundo é o conhecido, o Supremo - o Desconhecido. O Desconhecido dá nascimento ao conhecido, e segue sendo o Desconhecido. O conhecido é infinito, mas o Desconhecido é uma infinidade de infinitos. Assim como o raio de luz nunca é visível até que seja interceptado por partículas de pó, do mesmo modo o Supremo faz com que tudo seja conhecido, permanecendo ele mesmo desconhecido. 

 P: Significa que o Desconhecido é inacessível? 

M: Oh, não. O Supremo é o mais fácil de ser alcançado, pois ele é o seu próprio ser. Basta parar de pensar e desejar qualquer outra coisa exceto o Supremo. 

P: E se não desejar nada, nem mesmo o Supremo? M: Então é como se estivesse morto, ou você é o Supremo. 

P: O mundo está cheio de desejos. Todos querem uma coisa ou outra. Quem deseja? A pessoa ou o eu? 

M: O eu. Todos os desejos santos e profanos vêm do eu; todos dependem do sentido ‘eu sou’. 

P: Eu posso compreender os desejos santos (satyakama) emanando do ser. Eles podem ser uma expressão do aspecto da bem-aventurança de Sadchitananda (Existência - Consciência - Felicidade) do Eu. Mas por que desejos profanos? 

M: Todos os desejos visam a felicidade. Suas formas e qualidades dependem da psique (antahkarana). Onde predomina a inércia (tamas), encontramos perversões. Junto com a energia (rajas), surgem as paixões. Com a lucidez (sattva), o motivo por trás do desejo é a boa vontade, a compaixão, a impulso de fazer feliz em vez de ser feliz. Mas o Supremo está além  de tudo e, ainda assim, devido à sua permeabilidade infinita, todos os desejos convincentes podem ser satisfeitos. 

P: Que desejos são convincentes? 

M: Os desejos que destroem seus sujeitos ou objetos, ou que não diminuem ao serem satisfeitos, são autocontraditórios e não podem ser satisfeitos. Só os desejos motivados pelo amor, pela boa vontade e pela compaixão, são benéficos para o sujeito e para o objeto, e podem ser plenamente satisfeitos. 

P: Todos os desejos são dolorosos, os santos e os profanos. 

M: Eles não são o mesmo, e a dor não é a mesma. A paixão é dolorosa; a compaixão - nunca. Todo o universo se esforça para satisfazer um desejo nascido da compaixão. 

P: O Supremo conhece a si mesmo? O Impessoal é consciente? 

M: A fonte de tudo tem tudo. Qualquer coisa que flua dela deve estar lá em forma de semente. E da mesma forma que a semente é a última de inumeráveis sementes, e contém a experiência e a promessa de inumeráveis florestas, assim o Desconhecido contém tudo o que foi ou pode tem sido, e tudo o que será ou possa ser. Todo o campo do devir está aberto e é acessível; o passado e o futuro coexistem no eterno agora. 

P: Você está vivendo no Desconhecido Supremo? M: Onde, se não? 

P: O que o faz falar assim? 

M: Nunca um desejo surgiu em minha mente. 

P: Estão você está inconsciente? 

M: Claro que não! Sou totalmente consciente, mas, como nenhum desejo ou temor entra em minha mente, há um perfeito silêncio. 

P: Quem conhece o silêncio? 

M: O silêncio conhece a si mesmo. É o silêncio da mente silenciosa, quando as paixões e os desejos estão silenciados. 

P: Você experiencia o desejo de vez em quando? 

M: Os desejos são apenas ondas na mente. Você conhece uma onda quando vê uma. Um desejo é só uma coisa entre outras tantas. Não sinto desejo algum de satisfazê-lo, não há necessidade de fazer algo sobre ele. A liberação dos desejos significa isto: a compulsão para satisfazê-los está ausente. 

P: Por que surgem os desejos? 

M: Porque você imagina que nasceu e que morrerá se não cuidar de seu próprio corpo. O desejo de uma existência encarnada é a causa raiz dos problemas. 

P: Mas muitos jivas se encarnam. Certamente, não pode ser um erro de julgamento. Deve existir um propósito. Qual poderia ser? 

M: Para conhecer a si mesmo, o eu deve enfrentar seu oposto - o não eu. O desejo leva à experiência. A experiência conduz à discriminação, ao desapego, ao autoconhecimento - liberação. E o que é a liberação depois de tudo? Saber que você está além do nascimento e da morte. Ao esquecer quem é você, e imaginar-se uma criatura mortal, criou para si mesmo tantos problemas que tem que acordar como de um sonho mau.  A investigação também o acorda. Não é necessário esperar o sofrimento; é melhor investigar a felicidade, pois a mente está em harmonia e em paz. 

P: Quem é exatamente o último experimentador - o Ser ou o Desconhecido? 

M: Certamente, o Ser. 

P: Então, por que introduzir a noção do Desconhecido Supremo? 

M: Para explicar o Ser. 

P: Mas existe alguma coisa além do Ser? 

M: Fora do Ser não há nada. Tudo é um e tudo está contido no ‘eu sou’. Nos estados de sono e de vigília, ele é a pessoa; no sono profundo e em turiya, é o Ser; além da presteza vigilante de turiya jaz a grande paz silenciosa do Supremo. Mas, na verdade, tudo é um em essência e relacionado em aparência. Na ignorância, o que vê se converte no visto; na sabedoria, ele é a visão. Mas, por que se preocupar com o Supremo? Conheça o conhecedor e tudo será conhecido.

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