Pergunta: Vejo-o sentado na casa de seu filho esperando o almoço ser servido. E me pergunto se o conteúdo de sua consciência é similar ao meu, ou parcialmente diferente, ou totalmente diferente. Você está faminto e sedento como eu estou, esperando impacientemente que o alimento seja servido, ou você está em um estado totalmente diferente de mente?
Maharaj: Não existe muita diferença na superfície, mas há muito disto em profundidade. Você se conhece apenas através dos sentidos e da mente. Você se considera ser o que eles sugerem; não tendo conhecimento direto de você mesmo, você tem simples ideias; todas são medíocres. de segunda mão, obtidas por rumores. O que você pensa que é você tem como verdadeiro; o hábito de imaginar-se perceptível e descritível é muito forte em você. Vejo como você vê. ouço como você ouve, experiencio como você experiencia, alimentome como você se alimenta. Também sinto sede e fome. e espero que o alimento seja servido na hora. Quando privado de alimento ou doente, meu corpo e minha mente ficam fracos. Percebo tudo isto bastante claramente, mas, de algum modo, não estou nisto e me sinto como se flutuasse acima disto, distante e desapegado. Mesmo assim, não distante e não desapegado. Há indiferença e desapego como há sede e fome; há também a Consciência disto tudo e um sentido de imensa distância, como se o corpo e a mente, e tudo o que acontece para eles, estivessem em algum lugar muito além do horizonte. Sou como uma tela de cinema - clara e vazia - as imagens passam sobre ela e desaparecem, deixando-a tão clara e vazia como antes. A tela não é afetada de nenhum modo pelas imagens, nem as imagens são afetadas pela tela. A tela intercepta e reflete as imagens, não as forma. Ela não tem nada a ver com os rolos de filme. Estes são como são, blocos de destino (prarabdha), mas não meu destino, os destinos das pessoas que aparecem na tela.
P: Você não quer dizer que as pessoas no filme têm destinos! Eles pertencem à história, a história não é deles.
M: O que há a seu respeito? Você dá forma à sua vida ou é ela que lhe dá forma? P: Sim, você está certo. A história da vida desdobra a si mesma, e sou um de seus atores. Não tenho nenhuma existência fora dela, como ela não tem existência sem mim. Sou meramente uma personagem, não uma pessoa.
M: A personagem se transformará em uma pessoa quando começar a dar forma à sua vida em vez de aceitá-la como ela vem, e identificando- se com ela.
P: Quando faço uma pergunta e você responde, o que acontece exata- mente?
M: A pergunta e a resposta - ambas aparecem na tela. Os lábios se movem, o corpo fala e, novamente, a tela está clara e vazia.
P: Quando você diz que a tela está clara e vazia, o que quer dizer?
M: Quero dizer livre de todo conteúdo. Para mim mesmo, eu não sou nada perceptível ou concebível, não há nada a que eu possa indicar e dizer: 'Eu sou isso’. Vocês se identificam com tudo muito facilmente; para mim isso é impossível. O sentimento 'Eu não Sou isto nem aquilo, nem nada é meu’ é tão forte em mim que tão logo eu pense em uma coisa ou um pensamento apareça, imediatamente aparece também o sentimento 'eu não sou isso'.
P: Você quer dizer que passa seu tempo repetindo ‘Eu não sou isto, eu não sou aquilo’?
M: Claro que não. Estou apenas verbalizando para que você entenda. Pela graça de meu Guru, realizei, de uma vez por todas, que não sou nem objeto, nem sujeito e não preciso lembrar-me disto o tempo todo.
P: Acho difícil compreender o que você exatamente quer dizer ao falar que não é nem o objeto nem o sujeito. Neste mesmo instante, à medida que falamos, não sou o objeto de sua experiência e, você, o sujeito?
M: Olhe, meu polegar toca meu indicador. Ambos tocam e são tocados. Quando minha atenção está no polegar, o polegar é o que sente e o indicador - o eu. Mude o foco da atenção e a relação é invertida. Eu percebo, de alguma forma, que por mudar o foco da atenção, converto-me na própria coisa que vejo, e experiencio o tipo de consciência que ela tem; converto-me na testemunha interior da coisa. Chamo esta capacidade de entrar em outro ponto focal da consciência - o amor; você pode dar a isto o nome que quiser. O amor diz: ‘Eu sou tudo’. A sabedoria diz: ‘Eu sou nada’. Entre os dois, minha vida flui. Desde que em qualquer ponto do tempo e do espaço posso ser ambos, o sujeito e o objeto da experiência, expresso-o por dizer que sou ambos e nenhum, e além deles.
P: Você faz todas estas extraordinárias declarações sobre você mesmo. O que o faz dizer estas coisas? O que você quer dizer ao afirmar que está além do tempo e do espaço?
M: Você pergunta e a resposta chega. Observo a mim mesmo - observo a resposta e não vejo nenhuma contradição. Para mim é claro que estou lhe falando a verdade. Tudo é muito simples. Apenas você deve confiar no que digo, pois eu sou muito sério a respeito. Como já lhe disse, meu Guru me mostrou minha verdadeira natureza - e a verdadeira natureza do mundo. Tendo realizado que eu sou com o mundo, e ainda assim além dele, tomei-me livre de todos os desejos e medos. Eu não racionalizei que deveria ser livre, eu simplesmente me encontrei livre, inesperadamente, sem o mínimo esforço. Esta liberdade do medo e do desejo permaneceu comigo desde então. Outra coisa que notei foi que não preciso fazer um esforço; o ato segue o pensamento, sem atraso ou fricção. Também me dei conta que os pensamentos sempre se cumpriam por si mesmos; as coisas se encaixavam em seus lugares - suave e corretamente. A mudança principal foi na mente que se tornou imóvel e silenciosa, respondendo rapidamente, mas não perpetuando a resposta. A espontaneidade se tornou um modo de vida, o real tornou-se natural e o natural tornou-se real. E acima de tudo, um afeto infinito, o amor, escuro e silencioso, irradiando em todas as direções, abraçando tudo, fazendo tudo interessante e belo, significativo e auspicioso.
P: Falaram-nos que vários poderes ióguicos surgem espontaneamente em um homem que compreendeu seu próprio ser verdadeiro. Qual é sua experiência nestes assuntos?
M: O corpo quíntuplo do homem (físico, etc.) tem poderes potenciais além de nossos sonhos mais selvagens. Não só o universo inteiro está refletido no homem, mas também o poder para controlar o universo está à espera de ser usado por ele. O homem sábio não anseia utilizar tais poderes exceto quando a situação os exige. Ele nota que os dons e habilidades da personalidade humana são totalmente adequados aos assuntos da vida diária. Alguns dos poderes podem ser desenvolvidos através de treinamento especializado, mas o homem que ostenta tais poderes ainda está em servidão. O homem sábio não considera nada como próprio. Quando, em algum momento e lugar, algum milagre é atribuído a alguma pessoa, ele não estabelecerá qualquer relação causai entre os fatos e a pessoa, nem permitirá que se tire quaisquer conclusões. Tudo aconteceu com aconteceu porque tinha que acontecer; tudo acontece como acontece porque o universo é como ele é.
P: O universo não parece ser um lugar feliz no qual viver. Por que há tanto sofrimento?
M: A dor é física; o sofrimento é mental. Além da mente não há nenhum sofrimento. A dor é apenas um sinal de que o corpo está em perigo e requer atenção. Da mesma forma, o sofrimento nos adverte que a estrutura de memórias e hábitos, que nós chamamos de pessoa (vyakti), está ameaçada pela perda ou pela mudança. A dor é essencial para a sobrevivência do corpo, mas nada obriga você a sofrer. O sofrimento se deve inteiramente ao apego e a resistência; é um sinal da nossa falta de vontade de seguir em frente, de fluir com a vida. Como uma vida saudável é livre da dor, assim uma santa vida é livre do sofrimento.
P: Ninguém tem sofrido tanto quanto os santos.
M: Eles lhe disseram isto, ou você diz isto por si próprio? A essência da santidade é a total aceitação do momento presente, a harmonia com as coisas como elas acontecem. Um santo não quer que as coisas sejam diferentes do que elas são; ele sabe que, considerando todos os fatores, elas são inevitáveis. Ele é amigável com o inevitável e, portanto, não sofre. Pode conhecer a dor, mas isto não o arrasará. Se ele puder, fará o necessário para restaurar o equilíbrio perdido - ou deixará que as coisas sigam seu curso.
P: Ele pode morrer.
M: O que, então? O que ele ganhará por viver e o que ele perderá por morrer? O que nasceu deve morrer; o que nunca nasceu não pode morrer. Tudo depende do que ele acredita ser.
P: Imagine que você caia mortalmente doente. Você não iria lamentar-se e ressentir-se?
M: Mas eu já estou morto, ou melhor, nem vivo nem morto. Você vê meu corpo comportando-se do modo habitual e tira suas próprias conclusões. Você não admitirá que suas conclusões não limitam ninguém exceto você. Você vê que a imagem que tem de mim pode ser totalmente errada. Sua imagem de você mesmo está errada também, mas é seu problema. Mas você não necessita me criar problemas e então me pedir que os resolva. Não estou nem criando problemas nem os resolvendo.
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