Pergunta: Ouço-o fazendo afirmações sobre si mesmo tais como: ‘Eu sou atemporal, imutável, além de todo atributo, etc.’ Como você sabe dessas coisas? O que o faz falar delas?
Maharaj: Apenas estou tentando descrever o estado anterior ao surgimento do ‘eu sou', mas o próprio estado, por estar além da mente e de sua linguagem, é indescritível.
P: O 'eu sou' é o fundamento de toda experiência. O que você está tentando descrever também deve ser uma experiência limitada e transitória. Você fala de si mesmo como imutável. Eu ouço o som da palavra, lembro seu significado do dicionário, mas não tenho a experiência de ser imutável. Como romper a barreira e conhecer pessoalmente, intimamente, o que significa ser imutável?
M: A própria palavra é a ponte. Recorde-a, explore-a, pense nela, fique com ela, observe-a de todos os ângulos, aprofunde-se nela com séria perseverança; suporte todas as demoras e contrariedades até que, subitamente, a mente se vira para si mesma, para longe da palavra, em direção à realidade além dela. É como tentar encontrar uma pessoa conhecendo apenas seu nome. Chega o dia em que as investigações o levam até ela, e o nome se torna realidade. As palavras são valiosas, pois entre a palavra e seu significado há uma conexão e, se investigar a palavra assiduamente, você irá além do conceito, chegando à experiência que está em sua raiz. De fato, tais tentativas repetidas de ir além das palavras são o que se chama meditação. O sadhana é apenas uma tentativa persistente de passar do verbal ao não verbal. A tarefa parece desesperada até que, de repente, tudo se torna claro e simples, e tão maravilhosamente fácil. Mas, enquanto você estiver interessado em seu modo atual de vida, você fugirá do salto final no desconhecido.
P: Por que o desconhecido deveria me interessar? Para que serve o desconhecido?
M: Para absolutamente nada. Mas vale a pena conhecer o que o mantém dentro dos estreitos limites do conhecido. O conhecimento pleno e correto do conhecido é o que o leva ao desconhecido. Você não pode pensar nele em termos de utilidade e vantagens; estar quieto e desapegado, além do alcance de todo interesse próprio e de toda consideração egoísta, é uma condição inevitável de liberação. Você pode chamá-la morte; para mim, é viver com o máximo de intensidade e sentido, pois eu sou um com a vida em sua totalidade e plenitude, intensidade, significação e harmonia; o que mais você quer?
P: Nada mais é necessário, certamente. Mas você fala do que se pode conhecer.
M: Do incognoscível só fala o silêncio. A mente só pode falar do que conhece. Se você investiga diligentemente o cognoscível, este se dissolve, e apenas o incognoscível permanece. Mas, com o primeiro brilho da imaginação e do interesse, o incognoscível é obscurecido e o conhecido vem para o primeiro plano. O conhecido, a mudança, é o que você vive - o imutável não tem utilidade para você. É apenas quando estiver saciado da mudança e desejando o imutável, que você estará disposto a voltar-se e a entrar no que pode ser descrito, quando visto do nível da mente, como vacuidade e escuridão. Pois a mente anseia por satisfação e variedade, enquanto a realidade é. para a mente, insatisfatória e invariável.
P: Isto se parece como a morte para mim.
M: E é. Também é onipenetrante e conquistadora de tudo, intensa além das palavras. Nenhum cérebro comum pode suportá-la sem ser destroçado: daí a absoluta necessidade do sadhana. A pureza do corpo e a claridade da mente, a não violência e o altruísmo na vida são essenciais para sobreviver como uma entidade inteligente e espiritual.
P: Há entidades na Realidade?
M: A identidade é Realidade, a Realidade é identidade. A Realidade não é uma massa informe, um caos sem palavras. É algo poderoso, consciente, feliz; quando comparada a ela, sua vida é como uma vela em relação ao Sol.
P: Pela graça de Deus e de seu mestre, você perdeu todo desejo e temor e alcançou o estado imóvel. Minha pergunta é simples - como você sabe que seu estado é imóvel?
M: Só se pode pensar e falar do mutável. O imutável só pode ser compreendido no silêncio. Uma vez compreendido, afetará profundamente o mutável, permanecendo ele mesmo não afetado.
P: Como você sabe que você é a testemunha?
M: Não sei, eu sou. Eu sou porque, para ser, tudo deve ser testemunhado.
P: A existência pode também ser aceita por rumores.
M: Ainda assim, ao final você chega à necessidade de uma testemunha direta. O testemunho, se não é pessoal e real, ao menos deve ser possível e factível. A experiência direta é a prova final.
P: A experiência pode ser falha e enganosa.
M: Assim é, mas não o fato de uma experiência. Seja qual for a experiência, verdadeira ou falsa, não se pode negar o fato de que a experiência ocorreu. Ela é sua própria prova. Observe-se intimamente e verá que, seja qual for o conteúdo da consciência, o seu testemunho não depende do conteúdo. A Consciência é ela mesma e não muda com o evento. O evento pode ser agradável ou desagradável, secundário ou importante, a Consciência é a mesma. Observe a natureza peculiar da Consciência pura, sua autoidentidade natural, sem o mínimo traço de autoconsciência; vá à raiz dela e logo compreenderá que a Consciência é sua verdadeira natureza, e que nada de que possa ser consciente você pode tomá-lo como próprio.
P: A consciência e seu conteúdo não são a mesma?
M: A consciência é como uma nuvem no céu e as gotas de água são seu conteúdo. A nuvem necessita do Sol para ser visível, e a consciência necessita estar enfocada na Consciência.
P: A Consciência não é uma forma de consciência?
M: Quando se vê o conteúdo sem agrado ou desagrado, a consciência disso é Consciência. Mas há uma diferença entre a Consciência tal como se reflete na consciência e a pura Consciência além da consciência. O reflexo da Consciência, o sentido: ‘Eu sou consciente’ é a testemunha, enquanto a pura Consciência é a essência da realidade. O reflexo do Sol em uma gota d’água é um reflexo do Sol, não há dúvida, não o próprio Sol. Entre a Consciência refletida na consciência como a testemunha e a pura Consciência, há uma brecha que a mente não pode cruzar.
P: Não depende da maneira que você olha para isso? A mente diz que há diferença. O coração diz que não há nenhuma.
M: Naturalmente, não há diferença. O real vê o real no irreal. É a mente que cria o irreal e que vê o falso como falso.
P: Eu entendi que a experiência do real acompanha a visão do falso como falso.
M: Não existe a experiência do real. O real está além da experiência. Toda experiência está na mente. Você conhece o real sendo real.
P: Porque falamos tanto do real se ele está além das palavras e da mente?
M: Pela alegria disto, certamente. O real é a bem-aventurança suprema. Mesmo falar dele é felicidade,
P: Eu o ouço falando do inabalável e do bem-aventurado. O que há sua mente quando utiliza estas palavras?
M: Nada há em minha mente. Do mesmo modo que você ouve as palavras. eu também as ouço. O poder que faz com que todas as coisas aconteçam faz com que elas também aconteçam.
P: Mas é você que fala. não eu.
M: Assim é como lhe parece. Como eu vejo, dois corpos-mentes trocam ruídos simbólicos. Na realidade, nada acontece.
P: Escute, senhor. Eu venho a você porque tenho problemas. Sou uma pobre alma perdida em um mundo que não compreendo. Tenho medo da Mãe Natureza que quer que eu cresça, procrie e morra. Quando pergunto pelo significado e propósito de tudo isto, a natureza não responde. Vim a você porque me disseram que era amável e sábio. Você fala sobre o mutável como falso e transitório e eu posso entender. Mas quando você fala do imutável, sinto-me perdido. ‘Não isto, não aquilo, além do conhecimento, de nenhuma utilidade’ - por que falar disso tudo? Isso existe ou é apenas um conceito, o oposto verbal do mutável?
M: Ele é, só ele é. Mas em seu estado atual ele não é útil a você, do mesmo modo que não é de nenhuma utilidade o vaso de água perto de sua cama quando você sonha que está morrendo de sede em um deserto. Estou tentando acordá-lo, seja qual for seu sonho.
P: Por favor, não me diga que estou sonhando e que logo despertarei. Desejaria que assim fosse. Mas estou desperto e aflito. Você fala de um estado sem aflição, mas acrescenta que não posso tê-lo em minha presente condição. Sinto-me perdido.
M: Não se sinta perdido. Só digo que, para encontrar o imutável e o bem-aventurado, você deve desistir de seu apego ao mutável e doloroso. Você está interessado em sua própria felicidade e eu estou lhe dizendo que ela não existe. A felicidade nunca é sua, ela está onde o ‘eu’ não está. Não digo que esteja além de seu alcance; só tem que ir além de si mesmo, e a encontrará.
P: Se eu tenho que ir além de mim mesmo, por que tive a ideia de ‘eu sou’ em primeira instância?
M: A mente necessita de um centro para traçar um círculo. O círculo pode ficar maior e a cada aumento haverá uma mudança no sentido ‘eu sou’. Um homem que chegou a controlar-se, um iogue, traçará uma espiral, mas o centro permanecerá, por vasta que seja a espiral. Chega o dia em que toda a empresa é vista como falsa e é abandonada. O ponto central não existe mais, e o universo torna-se o centro.
P: Sim, pode ser. Mas o que devo fazer agora?
M: Observe assiduamente sua vida sempre em transformação, examine profundamente os motivos por trás de suas ações e logo estourará a bolha em que se acha encerrado. Um pinto necessita da casca para crescer. mas chega o dia em que a casca deve ser quebrada. Se isto não acontecer, haverá sofrimento e morte.
P: Você quer dizer que, se não adotar a Ioga, estou condenado à extinção?
M: Há o Guru que virá resgatá-lo. Por enquanto, contente-se em observar o fluxo de sua vida; se sua observação for profunda e firme, sempre voltada para a fonte, gradualmente ascenderá corrente acima até converter-se subitamente na fonte. Ponha sua Consciência para trabalhar. não sua mente. A mente não é o instrumento adequado para esta tarefa. O atemporal só pode ser alcançado pelo atemporal. Seu corpo e sua mente estão sujeitos ao tempo; só a Consciência é atemporal, sempre no agora. Na Consciência, você confronta os fatos, e a realidade ama os fatos.
P: Você confia inteiramente em minha Consciência para levar-me além, e não no Guru e em Deus.
M: Deus dá o corpo e a mente, e o Guru mostra o modo de usá-los. Mas retomar à fonte é sua própria tarefa.
P: Deus me criou, ele cuidará de mim.
M: Há inumeráveis deuses, cada um em seu próprio universo. Eles criam e recriam eternamente. Você vai esperar que eles o salvem? O que você necessita para salvar-se já está dentro de seu alcance. Use-o. Investigue o que você conhece até seu próprio fim e alcançará as camadas desconhecidas de seu ser. Avance ainda mais e o inesperado explodirá em você, e destruirá tudo.
P: Isso significa morrer?
M: Significa viver, finalmente.
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