Pergunta: Sou sueco de nascimento. Agora estou ensinando Hatha Ioga no México e nos Estados Unidos.
Maharaj: Onde a aprendeu?
P: Tive um mestre nos Estados Unidos, um swami indiano.
M: O que isto deu a você?
P: Deu-me boa saúde e um meio de vida.
M: Bom o bastante. É tudo o que você quer?
P: Busco paz mental. Desgostaram-me todas as coisas cruéis que os chamados cristãos fizeram em nome de Cristo. Durante algum tempo estive sem religião. Logo me senti atraído pela Ioga.
M: O que você ganhou?
P: Estudei a filosofia da Ioga e isto me ajudou.
M: Em que lhe ajudou? Por que sinais você concluiu que foi ajudado?
P: A boa saúde é algo muito tangível.
M: Não há dúvida de que é muito agradável sentir-se apto. É prazer tudo o que espera da Ioga?
P: O gozo do bem-estar é a recompensa da Hatha Ioga, mas a Ioga em geral dá mais que isso. Isto responde a muitas perguntas.
M: O que entende você por Ioga?
P: Todo o ensinamento da índia - evolução, reencarnação, karma e tudo mais.
M: Tudo bem, você adquiriu todo o conhecimento que queria. Mas de que modo você é beneficiado por ele?
P: Deu-me paz mental.
M: Deveras? Sua mente está em paz? Concluiu sua busca? P: Não, ainda não.
M: Naturalmente. Não existirá fim para isto, porque não existe paz mental. Mente significa perturbação; a própria inquietude é a mente. A Ioga não é um atributo da mente, nem um estado mental.
P: Alguma medida de paz eu obtive da Ioga.
M: Examine-a com cuidado e verá que a mente está fervilhando com pensamentos. Ocasionalmente, pode ficar vazia, mas, depois de um tempo, ela volta para a sua inquietude habitual. Uma mente sossegada não é uma mente pacífica. Você diz que quer pacificar sua mente. Quem quer pacificar a mente é, ele mesmo, pacífico?
P: Não, não estou em paz. Eu tenho a ajuda da Ioga.
M: Você não vê a contradição? Por muitos anos você buscou sua paz mental, e não pôde encontrá-la porque uma coisa essencialmente inquieta não pode estar em paz.
P: Há alguma melhora.
M: A paz que assegura ter encontrado é muito frágil; qualquer coisa pode rachá-la. O que você chama paz é apenas ausência de perturbação. Dificilmente merece o nome de paz. A paz verdadeira não pode ser perturbada. Pode você reivindicar uma paz mental que seja inexpugnável?
P: Estou esforçando-me.
M: Esforçar-se também é uma forma de inquietude.
P: Então, o que resta?
M: O ser não necessita ser aquietado. É a própria paz, não algo que está em paz. Apenas a mente está inquieta. Tudo o que ela conhece é a inquietude em seus muitos modos e graus. O agradável é considerado superior e o doloroso é desprezado. O que chamamos progresso é meramente uma mudança do desagradável para o agradável. Mas as mudanças por si mesmas não podem levar-nos ao imutável, pois tudo o que tem um início deve ter um fim. O real não começa; apenas se revela como sem princípio nem fim, todo-abrangente, todo-poderoso, primeiro motor imóvel, atemporalmente imutável.
P: Então, o que se deve fazer?
M: Através da Ioga, você acumulou conhecimento e experiência. Isto não pode ser negado. Mas qual a utilidade disto tudo para você? Ioga significa unir, juntar. O que é que você tem que reunir, juntar?
P: Estou tratando de unir a personalidade novamente ao eu real.
M: A personalidade (vyakti) é apenas um produto da imaginação. 0 eu (vyakta) é a vítima desta imaginação. O que o limita é tomar-se pelo que não é. Não se pode dizer que a pessoa exista por direito próprio; é o eu que acredita que existe uma pessoa e é consciente de sê-la. Além do eu (vyakta) repousa o imanifesto (avyakta), a causa incausada de todas as coisas. Mesmo falar de reunir a pessoa com o eu não é correto, porque não existe a pessoa, apenas uma imagem mental que dá uma realidade falsa criada pela convicção. Nada foi dividido e nada há a unir.
P: A Ioga ajuda na busca e no encontro do eu.
M: Você pode encontrar o que perdeu. Mas não pode encontrar o que não perdeu.
P: Se nunca houvesse perdido nada, estaria iluminado. Mas não estou. Estou buscando. Não é minha própria busca uma prova de ter perdido algo?
M: Isso só mostra que você acredita que perdeu algo. Mas quem acredita? E o que acredita ter perdido? Perdeu uma pessoa como você? Que é o ser que está buscando? Que é exatamente o que espera encontrar?
P: O conhecimento verdadeiro do eu.
M: O conhecimento verdadeiro do eu não é um conhecimento. Não é algo que se encontra buscando, olhando em todas as partes. Não é algo que seja encontrado no espaço ou no tempo. O conhecimento é apenas memória, um padrão de pensamento, um hábito mental. Tudo isto é motivado pelo prazer e pela dor. Estimulado pelo prazer e pela dor, você busca conhecimento. Ser o que se é está completamente além de toda motivação. Você não pode ser você mesmo por alguma razão. Você é você mesmo e não necessita nenhuma razão.
P: Praticando a Ioga, deverei encontrar a paz.
M: Pode existir paz separada de você? Você está falando por experiência própria ou somente pelos livros? Seu conhecimento dos livros é útil para começar, mas logo terá que ser substituído pela experiência direta que, por sua própria natureza, é inefável. As palavras podem ser usadas também para destruir; de palavras, imagens são construídas; pelas palavras, elas são destruídas. Você entrou no presente estado através do pensamento verbal; deve sair dele do mesmo modo.
P: Alcancei certo grau de paz interior. Tenho que destruí-la?
M: O que alcançou pode ser perdido novamente. Só quando compreender a verdadeira paz, a paz que nunca perdeu, esta paz permanecerá com você porque nunca esteve distante. Em lugar de buscar o que não tem, descubra aquilo que nunca perdeu: isto que está aí antes do começo e depois do fim de todas as coisas; aquilo para o qual não há nem nascimento nem morte. Aquele estado imóvel, que não é afetado pelo nascimento e pela morte de um corpo ou de uma mente, é o estado que você deve perceber.
P: Quais os meios para tal percepção?
M: Na vida nada pode ser conseguido sem superar obstáculos. Os obstáculos para a clara percepção do próprio ser verdadeiro são o desejo de prazer e o medo da dor. É a motivação prazer-dor a que se interpõe no caminho. A própria libertação de todas as motivações, o estado em que os desejos não surgem, é o estado natural.
P: Requer tempo este abandono dos desejos?
M: Se o deixar para o tempo, serão necessários milhões de anos. Abandonar um desejo após outro é um processo prolongado sem fim. Deixe em paz seus desejos e seus medos, preste toda atenção ao sujeito, àquele que está por trás da experiência do desejo e do medo. Pergunte: Quem deseja? Permita que cada desejo o devolva a você mesmo. P: A raiz de todos os desejos e temores é a mesma - o desejo de felicidade.
M: A felicidade que você pode imaginar e desejar é mera satisfação física ou mental. Tal prazer sensório ou mental não é a felicidade real, absoluta.
P: Mesmo os prazeres sensórios e mentais, e o sentido geral de bem-estar, os quais aparecem com a saúde mental ou física, devem ter suas raízes na realidade.
M: Eles têm suas raízes na imaginação. O homem a quem dão uma pedra, e se afirma que é um diamante de enorme valor, estará infinita- mente contente até que se dê conta de seu engano; do mesmo modo, o prazer perde seu sabor forte, e a dor, suas farpas, quando o eu é conhecido. Ambos são vistos como são - respostas condicionais, meras reações, simples atrações e repulsões, baseadas em recordações ou preconceitos. Usualmente o prazer e a dor são experimentados quando esperados. Tudo é questão de hábitos e convicções adquiridos.
P: Bem, o prazer pode ser imaginário, mas a dor é real.
M: O prazer e a dor sempre vão juntos. A libertação de um significa a libertação de ambos. Se não lhe importar o prazer, não terá medo da dor. Mas existe uma felicidade que não é nem um nem o outro, que está completamente além. A felicidade que você conhece é descritível e mensurável. É objetiva, poderíamos dizer. Mas o objetivo não pode ser seu. Seria um grave erro identificar-se com algo externo. Este revolver de níveis não leva a parte alguma. A realidade está além do subjetivo e do objetivo, além de todos os níveis, além de toda distinção. Definitivamente não é sua origem, fonte ou raiz. Estas vêm da ignorância da realidade, não da própria realidade, a qual é indescritível, além do ser e do não ser.
P: Segui muitos mestres, estudei muitas doutrinas e, ainda assim, nada me deu o que queria.
M: O desejo de encontrar o eu será satisfeito sem nenhuma dúvida, desde que não deseje nada mais. Mas você deve ser honesto consigo mesmo e realmente não desejar mais nada. Se, no ínterim, você quiser muitas outras coisas e estiver dedicado a persegui-las, seu propósito principal poderá ser atrasado até que você se torne mais sábio e deixe de estar dividido entre desejos contraditórios. Vá para dentro, sem desviar- se, sem olhar para fora.
P: Mas meus desejos e medos ainda existem.
M: Onde estão senão em sua memória? Entenda que suas raízes estão na expectativa nascida da recordação - e eles deixarão de obcecá-lo.
P: Compreendi muito bem que o serviço social é uma tarefa interminável, pois a melhoria e o decaimento, o progresso e o retrocesso vão um ao lado do outro. Podemos vê-los em todas as partes e em todos os níveis. O que resta então?
M: Complete qualquer trabalho que tenha empreendido. Não se dedique a novas tarefas, a menos que as exija uma situação concreta de sofrimento e alívio de sofrimento. Primeiro encontre a si mesmo, e bênçãos sem fim seguirão. Nada beneficia tanto o mundo como o abandono dos lucros. Um homem que não pensa mais em termos de perdas e ganhos é o verdadeiro homem não violento, pois está além de todo o conflito.
P: Sim, sempre estive atraído pela ideia de ahimsa (não violência).
M: Antes de tudo, ahimsa significa o que diz: ‘Não ferir’. Não é apenas fazer o bem que vem primeiro, mas deixar de ferir, de não aumentar o sofrimento. Agradar os outros não é ahimsa.
P: Não estou falando de agradar, mas creio totalmente em ajudar os demais.
M: A única ajuda que vale a pena oferecer é libertar da necessidade de ajuda ulterior. Uma ajuda reiterada não é ajuda em absoluto. Não fale em ajudar alguém, a não ser que possa colocá-lo além de toda necessidade de ajuda.
P: Como se vai além da necessidade de ajuda, e como se pode ajudar outros a fazer isto?
M: Quanto tiver entendido que toda existência em separação e limitação é dolorosa, e estiver disposto e capaz de viver integralmente, em unidade com toda vida, como ser puro, você foi além da necessidade de ajuda. Você pode ajudar outro por preceito e exemplo e, sobretudo, por seu ser. Você não pode dar o que não tem, e você não tem o que não é. Só pode dar o que é - e disto você pode dar ilimitadamente.
P: Mas é verdade que toda existência é dolorosa?
M: Que outra pode ser a causa desta busca universal pelo prazer? Um homem feliz busca a felicidade? Quão inquietas estão as pessoas! Como estão em movimento constante! E porque têm dor que buscam alívio no prazer. Toda a felicidade que podem imaginar está na garantia do prazer repetido. P: Se o que sou, como eu sou, a pessoa que acredito ser, não pode ser feliz, o que deverei fazer então?
M: Só poderá deixar de ser como parece que é agora. Não há nada cruel no que digo. Despertar um homem de um pesadelo é compaixão. Você vem aqui porque tem dor, e tudo o que digo é: Desperte, conheça- se, seja você mesmo. O fim da dor não está no prazer. Quando você se dá conta de que está além da dor e do prazer, só e inexpugnável, então a busca da felicidade cessará e a aflição resultante também. Pois a dor aponta para o prazer e o prazer acaba em dor, implacavelmente.
P: Não pode haver felicidade no estado final?
M: Nem dor, só liberdade. A felicidade depende de uma coisa ou de outra e pode ser perdida; a liberdade de tudo não depende de nada e não pode ser perdida. A liberdade do sofrimento não tem causa e, portanto, não pode ser destruída. Compreenda esta liberdade.
P: Não nasci para sofrer como consequência de meu passado? É possível a liberdade de alguma maneira? Nasci por minha própria vontade? Não sou apenas uma criatura?
M: Que é o nascimento e a morte senão o começo e o fim de uma corrente de fatos na consciência? Devido à ideia de separação e limitação, eles são dolorosos. Ao alívio momentâneo da dor chamamos prazer - e construímos castelos no ar esperando um prazer interminável que denominamos felicidade. Tudo é um mal-entendido e um equívoco. Desperte, vá além, viva realmente.
P: Meu conhecimento é limitado, meu poder insignificante.
M: Sendo a origem de ambos, o eu está além do poder e do conhecimento. O observável está na mente. A natureza do eu é pura Consciência, puro testemunhar, não afetada pela presença ou pela ausência de conhecimento ou preferências. Tenha seu ser fora deste corpo de nascimento e morte, e todos seus problemas serão resolvidos. Eles existem porque você acredita que nasceu para morrer. Desengane-se e seja livre. Você não é uma pessoa.
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